quarta-feira, 17 de abril de 2013

Primeiro capítulo de A Conspiração Gnóstica

Não sei se todos sabem, mas em fevereiro foi lançado meu primeiro livro de ficção, A Conspiração Gnóstica. Segue abaixo o primeiro capítulo dele:

I
BOAS LEMBRANÇAS E MÁS NOTÍCIAS

Éfeso, ano 85 d.C.

Eu já estava acordado quando o galo cantou.
Na minha idade, é normal deitar-se tarde e acordar cedo. Especialmente quando se vive em uma cidade tumultuada e barulhenta como Éfeso. Não deixa de ser irônico: justamente no período da vida que temos menos força em nossos membros, passamos mais tempo acordados. Certo estava Moisés quando escreveu — como era mesmo? “...a duração de nossa vida é de setenta anos, e se alguns, pela sua robustez chegam a oitenta anos, o melhor deles é canseira e enfado”...[1]
Tantos anos se passaram, mas ainda não me acostumei com o burburinho das grandes metrópoles. Luzes demais, gente demais, pecado demais. Ainda mais se você vive na maior cidade da costa oeste da Ásia. Por aqui, todos os dias passam caravanas e barcos de povos que em minha juventude eu nem sabia que existiam.
Sinto saudade, muita saudade, de minha cidade natal. Sinto falta de minha aldeia, Cafarnaum, do mar da Galileia, de meu pai, o velho Zebedeu.
Mas minha terra, tal como eu a conheci, não existe mais. Roma reprimiu a rebelião judaica com mão de ferro. Rios de sangue correram pelas ruas de Jerusalém e nem o Santo Templo escapou da vingança romana, como predisse meu Senhor:
“Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará pedra sobre pedra que não seja derribada”.[2]
São lembranças amargas que ainda doem neste velho coração judeu.
O galo cantou mais uma vez. Papias ainda dorme. Agradeço ao Senhor por me enviar este moço. Há muito que o vigor se foi do meu corpo e sua ajuda me tem sido valiosa nas mais corriqueiras tarefas do cotidiano. Não é muito esperto, é verdade, porém é deveras prestativo. Deus lhe pague todas essas beneficências para com este pobre velho, meu menino. Espero que seu discipulado junto a mim seja tão frutífero quanto foi o de Policarpo.
Com algum esforço, levanto-me do meu leito, tomo meu cajado e vou em direção à janela. Lentamente, o véu estrelado da noite dá lugar à luz do dia.
A luz resplandece nas trevas e as consome, revelando o que estava oculto. Cada nascer do sol que meus olhos cansados contemplam me recorda do verdadeiro amanhecer, quando Ele chegou. Como estava escrito:
“Mas a terra que foi angustiada não será entenebrecida. Ele envileceu, nos primeiros tempos, a terra de Zebulom e a terra de Naftali; mas, nos últimos, a enobreceu junto ao caminho do mar; além do Jordão, a Galileia dos gentios”.[3]
Galileia dos gentios. Não é um nome muito honroso, embora reconheça que seja apropriado. Minha terra, situada ao norte da Palestina, sofreu muita influência gentia e pagã, especialmente no período do exílio. Na época em que lá vivia, convivíamos também com a proliferação de rebeldes agitadores, os zelotes. Estávamos em densas trevas espirituais.
Mas eu, Yochanan, estava lá quando essas palavras proféticas se cumpriram. Vi esta luz, fui iluminado por ela e nunca mais fui o mesmo. Nele estava a vida, e a vida era luz dos homens. Quando o vi e ouvi suas palavras, sabia que era Ele. Sabia que era o escolhido. Somente não sabia que minha vida mudaria tanto.
Não fomos nós que fomos até Ele, mas sim Ele que veio até nós. Quando soube da prisão de João, o Batista, deixou Nazaré e foi morar em nossa aldeia, Cafarnaum. E a luz começou a brilhar. Ali Yeshua começou a pregar sua mensagem. Ainda me lembro de suas palavras:
“Arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos céus”.[4]
Nunca ninguém havia falado como Ele antes. Não com tal autoridade e convicção. Mas, apesar disso, foram poucos os de Cafarnaum e de suas redondezas que o seguiram. Contudo, suas palavras arderam em alguns corações, inclusive no meu e no de meu irmão mais velho.
Estávamos nós dois às margens do mar da Galileia, juntamente com nosso pai, sentados no barco consertando as redes de pesca quando Ele passou e nos chamou. Yeshua nos chamou!
Eu era tão jovem... um rapazote, pouco mais que uma criança, mas sabia o que tinha de fazer: segui-lo, por onde quer que fosse. Todos nós sabíamos que era a coisa certa a fazer. Na verdade, saber não é a palavra correta. Sentíamos em nossos corações que devíamos segui-lo. E não apenas nós, mas nosso pai também entendeu e não fez objeção a nossa partida.
Ele era meu mestre, e eu seu talmidim, seu discípulo. Sim, eu também era um dos doze que o seguia.
Mas para mim, Ele era mais que um mestre, era um pai, alguém em quem eu podia me recostar e descansar. Ao seu lado não havia o que temer. Nunca houve dúvida ou temor em sua voz. Ele sabia exatamente o que fazia, o que dizia. Sim, nEle estava a vida. Não uma vida qualquer, mas a plenitude da vida. E a vida era luz dos homens. Mas as trevas não a compreenderam.
De repente, percebo que meus pensamentos me levaram de Éfeso a distante Palestina de 50 anos atrás. Quantas memórias um simples amanhecer pode nos trazer!
Deixando minhas memórias para trás, viro-me em direção a Papias e percebo que o moço já está acordando.
— Paz seja contigo, Papias. Dormiste bem?
— Paz seja contigo, apóstolo. Dormi muito bem, obrigado — respondeu Papias ainda sonolento
— Por favor, prepara a refeição matinal?
— Seria bom, meu rapaz. Ah, por favor! Chame-me apenas de presbítero, está bem? Não pretendo ser mais do que um simples ancião com alguma experiência para transmitir aos mais jovens.
— Como o senhor quiser. Ensinaram-me que aqueles que viram o Senhor Jesus e foram convocados por Ele para serem seus discípulos deveriam ser chamados de apóstolos. Mas se o senhor não faz questão, quem sou eu para discordar? — Disse-me o jovem com um sorriso.
E lá se foi ele a preparar nosso desjejum.
Mais um dia se inicia. Quais surpresas virão com ele?
Não demoraria muito para que eu descobrisse. Pouco tempo após a refeição matinal, ouço palmas à porta de minha casa. Quem seria e o que quereria com um pobre velho como eu?
— Presbítero, Demétrio e o diácono Diótrefes trouxeram alguns irmãos que desejam ver o senhor.
— Mande-os entrar Papias.
Pela porta da humilde casa, entra um grupo de cinco homens. Não tardo em reconhecer-lhes.
— Paz seja contigo, apóstolo.
— Amados Demétrio e Diótrefes, paz seja convosco! E seja também com os amados irmãos que vos acompanham e me dão a honra desta visita. Não é sempre que este pobre velho recebe os presbíteros das principais igrejas da Ásia a uma só vez. Infelizmente, não creio que seja este um bom sinal. Receio que pretendam me deixar a par de algo sério acerca da igreja, não é isso?
— É verdade, apóstolo. E fico feliz em constatar que sua mente se mantém não apenas lúcida como também aguçada. — Afirmou Gaio, um dos presbíteros que acompanham Demétrio.
— Meu amado Gaio, sou um presbítero como tu, não há necessidade de tratar-me como apóstolo.
— Perdoe-me por discordar, mas é justamente do apóstolo que precisamos neste momento, e você o último dos apóstolos vivos. Precisamos de você, João.
Havia uma certa gravidade na voz Gaio.
João. É pela forma grega de meu nome que sou conhecido, e não apenas eu. Desde que as Boas-Novas começaram a ser anunciadas também aos gentios, tivemos de abrir mão de nossa língua materna e utilizamos o grego para alcançar a todos os povos. Por isso fomos conhecidos por outros nomes: meu irmão Ya'akov, Tiago. Shim'on agora é conhecido como Pedro. Bar-Talmai e T'oma são Bartolomeu e Tomé. Mattityahu, Mateus. Taddai, como era mesmo? Ah, é mesmo: Tadeu. Até mesmo o nome dEle teve de ser convertido para o grego. Yeshua Hamashiach, Jesus Cristo. Mas confesso que não é fácil para minha velha mente pensar neles com seus nomes em grego. 
Aqui estou eu de novo, perdendo-me em meus pensamentos!
— Mas que anfitrião sou eu? Recebo visitas em minha própria casa e não tenho a delicadeza de oferecer ao menos uma bacia com água para vossos pés no melhor estilo judaico! Papias, por favor, traga uma jarra com água, meu filho.
Os presbíteros tentaram objetar que não havia necessidade, porém, gentilmente, os fiz perceber que fazia questão. Para mim, era muito importante manter viva minha identidade judaica e cristã.
Em poucos instantes Papias trouxe-me a bacia e a jarra e, enquanto despejava a água cristalina na bacia, abaixei-me para lavar os pés de nossos ilustres visitantes.
Não pude deixar de perceber o constrangimento deles com meu gesto e, confesso, me diverti com a sua reação. Porém, enquanto lavava seus pés, percebo uma mudança em seus semblantes. O constrangimento deu lugar a um profundo respeito e meu gesto trouxe-lhes a memória um ato ocorrido há tempos, do qual eu mesmo participei e tive a oportunidade de contar para eles. O Senhor Jesus lavou nossos pés, os meus e o de meus irmãos discípulos. Nossa reação não foi muito diferente da deles naquela época.
Após essa singela cerimônia, sentamos para enfim tratar do motivo daquela inesperada visita.
— Pois bem, meus amados. Em que posso ser útil?
— Ninguém melhor do que você para saber o quanto custou para que a Igreja do Senhor pudesse crescer e se espalhar por todo o Império Romano. Muitos irmãos e irmãs derramaram seu próprio sangue por amor a Cristo, sem negar o seu nome jamais. Estêvão foi o primeiro deles. — Começou a falar Gaio.
— “Homens dos quais o mundo não era digno”.[5] — Completou Demétrio.
— É verdade — disse eu — e entre eles estavam os apóstolos. Todos martirizados por amor a Cristo.
— Naquele tempo Satanás levantou adversários, que, embora poderosos e brutais, eram de fora de nossa comunidade. Mas hoje, ele mudou a tática. — A expressão de Gaio estava carregada.
— O que está querendo me dizer?
— Já ouviu falar de Cerinto?
— Na verdade, não.
— É um judeu que tem visitado nossas igrejas por toda a Ásia. E em todo o lugar que chega, lança as sementes da discórdia e da mentira.
— Como este tal Cerinto faz isso?
— Em seus sermões e ensinos, o tal homem tem contestado a doutrina dos apóstolos acerca da natureza, da pessoa e da própria divindade de Jesus.
Ao ouvir tal coisa, meu coração disparou não querendo crer no que estavam me contando.
— O que está me dizendo, Gaio?
— Este Cerinto está desviando a muitos do caminho, fazendo com que abandonem a sã doutrina e a Igreja.
— Sim, com muita astúcia e dissimulação, ele tem inserido suas heresias em nosso meio. — confirmou Demétrio.
— Mas que ensinos são esses? — Perguntei eu.
— João, ele prega que Jesus não é o Cristo. Que Cristo não poderia ter nascido, pois crê que a carne em si mesma é má, enquanto o espírito é bom, e que não é necessário a fé nEle para a salvação.
— Eu não posso acreditar em tal coisa!
— Mas há mais.  — Afirmou Gaio.
— Ainda há mais?
— Infelizmente, sim. Por meio de supostas revelações e de falsos sinais, afirma que após a ressurreição haveria um reino terreno de Cristo e que os homens habitando em Jerusalém estariam sujeitos a desejos e prazeres, e que as celebrações nupciais durariam mil anos. Disse ainda...
— Chega, chega! Não quero, não suporto ouvir mais nada acerca deste anticristo! — ponho-me de pé, profundamente perturbado.
— Quem este Cerinto pensa que é para ensinar tamanhas loucuras? Por acaso estava lá quando Ele surgiu na Galileia? Ele o viu curar um paralítico e dar vista ao cego? Ele o viu sentir sede e fome? Ele o viu ressurgir dos mortos após a sua morte na cruz? Ele o viu subir aos céus? Não! Ele não viu nada disso, mas eu vi, eu estava lá e testifico: vi a sua glória como o unigênito do Pai, Jesus é o Cristo, Jesus é Deus!
Meu coração estava acelerado e minhas mãos, trêmulas. Que tempos, meu Deus, que tempos! Depois de tantos anos de sacrifício, suportando toda a sorte de perseguição e injúria, quando penso que a Igreja do Senhor vai finalmente crescer em paz, alicerçada nas Escrituras, surge mais uma ameaça.
O pobre Papias assustou-se com meu arroubo de indignação e, sem saber muito o que fazer, trouxe-me um copo de água a fim de me acalmar. Bebo-o a um só gole, e me sento para me refazer.
— Por favor, apóstolo, acalme-se. Sabemos como o senhor deve estar se sentindo. — Gaio fala mansamente, tentando me acalmar.
— Não, meus amados, vocês não sabem como me sinto, não tem como saber. Não estavam lá. Não viram nem ouviram o Filho de Deus.
— O senhor está certo. Não estávamos lá, mas você estava. Por isso viemos aqui. João, a Igreja de Cristo precisa de seu apóstolo. Ela precisa de você.
A gravidade na voz de Demétrio desarmou minha resistência.
— Mas o que querem de mim?
— Você é o último dos apóstolos vivos. Todos os outros já morreram. Precisamos do seu testemunho para combater tais heresias, João. Fale ao povo, conte à igreja o que você viu e ouviu.
— Meus amados irmãos, não creio que haja necessidade para tal. Temos os escritos de Lucas e dos demais acerca da vida de Jesus, temos as epístolas de Paulo, não são suficientes?
— Perdoe-me a ousadia, mas se fossem Cerinto não teria enganado a tantos.
Não tive mais argumentos para rebater o pedido deles. Gaio está certo. As Escrituras não são mais suficientes. Não poderei mais me esconder atrás de minha velhice. Não há tempo a perder.
Levantei-me mais uma vez, desta vez com uma postura firme e uma decisão tomada.
— Está bem, meus irmãos. Demétrio, convoque a toda a igreja de Éfeso. Daqui a dois dias será o Dia do Senhor. Neste dia, no culto da noite, falarei ao povo.
Um sopro de alívio e contentamento encheu os presbíteros quando concordei em falar à igreja.
— E o que você irá falar, João?
— Contarei uma história, Gaio. Contarei uma história.


Convido a todos a visitarem o hot site do livro: http://www.cpad.com.br/hotsites/conspiracao/

[1] Sl 90.10
[2] Mc 13.2
[3] Is 9.1               
[4] Mt 4.17
[5] Hb 11.38

domingo, 7 de abril de 2013

Marco Wyllys ou Jean Feliciano?



Levei um bom tempo antes de meter a minha colher neste imbróglio envolvendo Marco Feliciano, Jean Wyllys e a Comissão de Diretos Humanos da Câmara dos Deputados.
Vamos primeiro aos fatos: Na partilha que ocorre dentro do regimento interno da Câmara, coube ao PSC indicar um nome para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM). Indicaram o nome do deputado Marco Feliciano. Colocado em votação, seu nome foi aprovado.

Quais são as atribuições da Comissão de Direitos Humanos e Minorias?

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) é uma das 20 comissões permanentes da Câmara dos Deputados, onde atua como órgão técnico constituído por 18 deputados membros e igual número de suplentes, apoiada por um grupo de assessores e servidores administrativos.
Suas atribuições constitucionais e regimentais são receber, avaliar e investigar denúncias de violações de direitos humanos; discutir e votar propostas legislativas relativas à sua área temática; fiscalizar e acompanhar a execução de programas governamentais do setor; colaborar com entidades não-governamentais; realizar pesquisas e estudos relativos à situação dos direitos humanos no Brasil e no mundo, inclusive para efeito de divulgação pública e fornecimento de subsídios para as demais Comissões da Casa; além de cuidar dos assuntos referentes às minorias étnicas e sociais, especialmente aos índios e às comunidades indígenas, a preservação e proteção das culturas populares e étnicas do País.

Porém, ato contínuo a nomeação de Feliciano, irados protestos eclodiram na própria Comissão e em diversos setores da sociedade se manifestaram contra a nomeação do deputado Marco Feliciano. Desde o início dos protestos, muitos dos quais obstruindo as sessões na Comissão, se projetou o nome do também deputado Jean Wyllys.

Mas qual a razão de tanto celeuma?

A Comissão de Comissão e Justiça da Câmara dos depurados era presidida e tinha a maioria de seus integrantes deputados que compartilhavam da mesma visão para esta área: a defesa do aborto com um direito da mulher, a descriminalização e a liberação do consumo de drogas como uma ação de redução de danos e a defesa dos interesses dos grupos GLBT organizados.

O deputado Marco Feliciano apesar de membro ativo da referida comissão com diversas proposições efetuadas, não comunga com a visão acima. Pior ainda: é um pastor evangélico e como tal, visto como um adversário e não como um colega na defesa dos direitos humanos.

O que parecia ser um típico caso de preconceito contra evangélicos ganhou novo contornos quando foram divulgadas postagens do deputado e pastor Marco Feliciano na rede social Twitter interpretados como racistas e homofóbicos. Seguem abaixo alguns deles:

Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isto é fato. O motivo da maldição é a polêmica. Não sejam irresponsáveis twitters rss.”

Qdo falei este assunto aqui, os ativistas gays quase me lincharam. Qdo associei AIDS à homossexualidade fui duramente confrontado.”

os artistas são a favor do casamento gay; os intelectuais também são. Resta aos cristãos e conservadores de valores morais lutarem.”

E piorou mais ainda com a divulgação de vídeos onde o pastor reclama de um fiel que doou o cartão de crédito sem a senha:

É a última vez que eu falo. Samuel de Souza doou o cartão, mas não doou a senha. Aí não vale. Depois vai pedir o milagre pra Deus e Deus não vai dar e vai falar que Deus é ruim.”

A repercussão de seus comentários levou a diversas personalidades a se manifestarem a respeito da inconvenciência de Marco Feliciano como presidente da CDHM:


"É algo que se insere no âmbito do Congresso Nacional, mas que, com toda a evidência, não se trata de uma indicação adequada. Acho que o próprio partido deve perceber que há pessoas mais vocacionadas para esse trabalho." Roberto Gurgel, procurador-geral da República,


O pastor Feliciano jamais poderia assumir a Comissão de Direitos Humanos. Ele é despreparado e não tem os princípios básicos que essa comissão precisa. Ele não tem condições mesmo. Eu não gosto quando a questão fica religiosa, ela é uma discussão de cultura de direitos humanos, coisa que o deputado não tem. Não interessa se ele é evangélico” Marina Silva, ex-senadora e ex-ministra do meio ambiente.

Ele se antagonizou com o Brasil porque expressou pelo Twitter e, depois, num culto, opiniões sobre a questão dos negros. Disse que são descendentes da parte amaldiçoada dos filhos de Noé, os filhos de Cam. É interessante observar ele não criou nada ao fazer tais afirmações. Essa teologia é muito antiga, muito anterior a ele, persistindo até hoje em alguns poucos segmentos fundamentalistas. Ela tem origem entre os colonialistas, que dividiam o mundo em três áreas – o ocidente, o oriente e o sul. Nesta última teriam ficado os possíveis descendentes do personagem bíblico, os amaldiçoados.” Ricardo Gondim, pastor da igreja Assembleias de Deus Betesda e escritor.

Porém, não apenas Marco Feliciano tem feito uso duvidoso das redes sociais. O deputado Jean Wyllys tem postado comentários tão preconceituosos quanto, porém direcionados a cristãos:

Confesso que o mais difícil, nos tweets dos fundamentalistas, é ter de ler a redação típica de um analfabeto funcional… É dose!”

Eu mereço essa gente que dissemina ódio aos homossexuais e às religiões de matriz africana e que não quer oposição a essa estupidez?”

Chama a atenção que os tweets de Feliciano ganharam a grande imprensa, enquanto os de Wyllys se restringiram à imprensa online evangélica. Jornalismo tendencioso dos grande órgãos de imprensa?

Uma outra questão não dita mas presente subliminarmente é a crença de que a Comissão de Direitos Humanos não é um espaço para diálogo e discussão plural mas sim, uma plataforma para imposição ao restante do Congresso de pensamento único e totalitário, sem espaço para outras visões a respeito do mesmo problema.

Resumindo: na opinião deste segmento, somente pode participar e presidir a comissão quem pensa rigorosamente igual a eles. E este totalitarismo ficou patente na forma como protestaram contra a presidência de Feliciano, literalmente impedindo as seções.

O jornalista Alexandre Garcia toca o dedo nesta ferida em seu programa de rádio:
Se ele é acusado de opinião, então é de supor que aqui no Brasil exista crime de opinião, e não existe. Ele não pode ser acusado de opinião, porque a opinião é livre e protegida pela Constituição.”

Já o ministro do STF Joaquim Barbosa expressou sua opinião:
"O deputado Marco Feliciano foi eleito pelos seus pares para assumir um determinado cargo dentro do Congresso Nacional, na Câmara. Os deputados assim o fizeram porque está prevista regimentalmente essa possibilidade. A sociedade tem também o direito de se exprimir, como vem se exprimindo, contrariamente à presença dele neste cargo. Isso é democracia".

Resumindo: os grupos ditos progressistas querem a renúncia de Feliciano não pelo o que ele disse no Twitter, mas por suas ideias conservadoras. Eles sabem que com ele na presidência, muitas de suas proposições podem ir para a fundo da gaveta da Comissão e temem a ideia de Feliciano de por a questão do casamento gay e da descriminalização do aborto em votação plebiscitária pois, no fundo, sabem que a sociedade brasileira é progressista da boca pra fora e conservadora no seu íntimo. Na verdade, Marco Feliciano já começou a fazer isso. No link abaixo podem ser conferidas no site da Câmara dos Deputados as proposições feitas por Feliciano, muitas delas feitas meses antes de assumir a presidência da CDHM:

Portanto, o que está em jogo é disputa por poder dentro de uma comissão onde um grupo perdeu a hegemonia e não poderá mais impor seu ponto de vista acerca dos diretos humanos sobre o outro, muito menos sobre o Congresso. Claro, o risco é que o novo grupo hegemônico faça a mesma coisa.

O resultado disto é o acirramento de ânimos de ambos os lados, com um lado querendo a renúncia de seu deputado desafeto por “crime de opinião”. Jean Wyllys e Marco Felicianmo são pintados ao mesmo tempo como monstros e mártires.

Mas quem são Marco Feliciano e Jean Wyllys e como se tornaram deputados federais, membros do Congresso Brasileiro?

Marco Feliciano começou sua meteórica carreira como um entre tantos pregadores pentecostais. Membro da igreja Assembleia de Deus, graças ao seu estilo eloquente e emocional, ganhou grande e rápida popularidade e era convidado a pregar em eventos religiosos de todo o país. Em pouco tempo já havia sido consagrado ao pastorado em uma igreja local.

Ao alcançar o sucesso dentro de seu meio, Feliciano começou a mudar o visual, buscando uma aparência mais moderna e menos convencional que caracterizam os pregadores pentecostais, geralmente bastante sóbrios.

Logo Feliciano fundou sua própria igreja – Assembleia de Deus Catedral do Avivamento, lançou Cd's como cantor e criou seu próprio currículo de revistas de Escola Dominical – investimentos estes que aparentemente não obtiveram grande aceitação no mercado.
Mas estes fatos, especialmente sua mudança visual, geraram rejeições em seu público e os convites para pregações começaram a rarear. Nesta época, ele chegou a gravar um vídeo pedindo para ser convidado a pregar.

Após isto, Feliciano fez o que muitas celebridades fazem quando chegam ao ostracismo: se candidatam a um cargo eletivo na esperança de que seus fãs os ajudem a serem eleitos.

Marco Feliciano foi bem sucedido em sua empreitada. Foi eleito com expressivos 211.855 votos em São Paulo.

Jean Wyllys era professor universitário na Bahia e alcançou a fama instantânea quando participou – e ganhou com expressiva votação (na casa dos milhões) – uma das edições do discutível reality show Big Brother Brasil no melhor estilo Davi contra Golias. Naquela edição, o pequeno e franzino baiano era sistematicamente enviado ao paredão pelo grupo dos rapazes e moças sarados e descerebrados que caracterizam o programa. E a cada vez ele voltava mais forte derrotando um a um, pois o público vê o o reality Show como uma novela e nelas, sempre torce pelo mais fraco e mais perseguido.

O tempo passou, Jean lançou um livro de memórias, e depois caiu no ostracismo. Foi candidato a deputado federal pelo PSOL mas não conseguiu o número mínimo de votos
para se eleger, apenas 13.018 votos.

Mas conseguiu a vaga no Congresso Nacional graças ao recurso do voto na legenda. Graças a lei eleitoral, o PSOL pode transferir votos “excedentes” da legenda os candidatos de seu partido – entre eles Jean Wyllys – e assim, “furar a fila” colocando-os à frente de outros candidatos mais votados do que eles.

De certa forma a história se repete. Do alto de seus votos e de seu visual metrossexual, Feliciano entrou pela porta da frente do Congresso enquanto Wyllys, metaforicamente, entrou pela porta dos fundos, empurrado pelos votos de sua legenda. Mas a batalha midiática está sendo ganha por Jean Wyllys por larga vantagem: mais equilibrado em seus comentários ena defesa de seu ideário, ele como fruto da mídia de massa sempre contou com seu apoio, mesmo antes da polêmica da CDHM. Já Marco Feliciano somente ganha os holofotes quando escreve ou fala alguma coisa polêmica que o coloca em dificuldades ainda maiores. E ele é pródigo em fazer isso.

Por trás de toda esta polêmica, Marco Feliciano e Jean Wyllys, duas celebridades midiáticas que chegaram ao Planalto sem nenhum passado de atividade política, são exemplos de como nosso sistema eleitoral e a própria consciência política da população estão em níveis perigosamente baixos. Embora em campos ideológicos opostos, eles são mais parecidos do que eles próprios e seus eleitorados gostariam de admitir.

Marco Feliciano acerta quando afirma que o fato de ser um pastor não o desqualifica para a CDHM. Ainda mais quando lembra a grande contribuição para a causa dos Direitos Humanos de outros pastores, como o bispo anglicano Desmond Tutu da África do Sul e o pastor batista americano Martin Luther King.

Infelizmente, Marco Feliciano está à léguas de distância da envergadura moral e intelectual destes dois gigantes da fé.

A jornalista Míriam Leitão percebeu isto:

As novas denominações religiosas evangélicas, pentecostais ou não, têm níveis de formação diferenciados com mais ou menos teoria. Alguns bem improvisados. Mas os que têm aparecido com mais destaque na imprensa são os grupos que cometem erros como os da exploração da fé dos mais pobres, ou os que fazem sustentações doutrinárias controversas.
As religiões precisam se modernizar de forma geral. Mas as denominações protestantes tradicionais, e os evangélicos que não comungam com as ideias do deputado Feliciano, têm dado pouca ênfase à necessária separação entre joio e trigo.”

Se a comunidade evangélica quiser ser ouvida e respeitada, precisa dar voz a homens e mulheres que tenham um real compromisso com a causa do Mestre, que não busquem holofotes para si e que tenham uma vida de tal integridade que sustente as suas afirmações e convicções. E para isto, a representação política é apenas uma das opções. Tanto Desmond Tutu quanto Martin Luther King nunca ocuparam cargos públicos, mas influenciaram e mudaram suas gerações.

A comunidade evangélica, por tudo o que fez e tem feito pelo ser humano, pode e deve estar presente na Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Ela tem muito sim, a contribuir com a sua experiência em apoio a dependentes químicos, prostitutas, moradores de rua e comunidades rurais. Mas ela precisa ter representantes à sua altura. Ainda não tem.


"Vós sois o sal da terra; e, se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta, senão para se lançar fora e ser pisado pelos homens (Mateus 5.13)."