quinta-feira, 1 de abril de 2021

A Igreja na encruzilhada da História



 “Quando, porém, disseram: "Dá-nos um rei para que nos lidere", isto desagradou a Samuel; então ele orou ao Senhor.

E o Senhor lhe respondeu: "Atenda a tudo o que o povo está lhe pedindo; não foi a você que rejeitaram; foi a mim que rejeitaram como rei.” 1 Samuel 8:6,7

Desde meus tempos de garoto, aprendi nas carteiras da Escola Dominical que a decadência espiritual da Igreja começou quando o imperador Constantino legalizou a fé cristã.
Embora essa legalização do cristianismo em 313 d.C. tenha sido uma medida correta e justa pois encerrou a cruel perseguição e morte de cristãos, a partir dela começou uma simbiose cada vez mais intensa e indevida entre o poder estatal e a Igreja.

Ao longo da história, este triste fenômeno tem se repetido. Onde entra a busca pelo poder político, vai embora a busca pelo poder do Espírito. E uma igreja sem o Espírito é uma igreja sem vida.
Jesus disse que não podemos servir a dois senhores pois haveríamos de amar um e odiar o outro. Ele se referia a servir a Deus ou as riquezas (Mt 6:24). Mas esse princípio também se aplica a busca pelo poder (e a qualquer outra coisa que se deseje mais do que a Deus) pois como Jesus também disse, onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração (Mt 6:21). E, para muitos, o poder político ou uma crença ideológica é um tesouro ainda mais sedutor do que as riquezas.

Alguns acreditam que estar próximo dos detentores do poder ou até mesmo fazer parte do poder temporal pode ajudar a Igreja a se defender de arbítrios e ser, ao mesmo tempo, uma influência positiva pela sociedade. Outros até mesmo acreditam que podem replicar a monarquia judaica nos dias de hoje e que se tivermos um presidente que compartilha das mesmas pautas, o país se transformará em uma ilha de prosperidade.

Mas não foi isso que Jesus disse. Ao ser confrontado por Pilatos, Cristo deixou bem claro que seu reino não é desse mundo (Jo.18.36) e que nesse mundo teríamos aflições (Jo 16.33).
Pessoas cegas por ideologias correm o risco de verem no líder político o seu protetor e salvador, de depositarem no homem falível a sua fé e de o adotar como referência comportamental, como um paradigma a ser seguido. Se tais pessoas são cristãs, corre-se o risco delas não mais se assemelharem a Cristo mas a esse outro que assumiu o seu lugar em seus corações. E o mundo percebe essa diferença.

Uma coisa é orar pelas autoridades constituídas, sejam elas quais forem. É certo e é bíblico. Outra coisa é aderir a um projeto político de poder, seja ele qual for.

A algum tempo atrás vi posts associando Barrabás a um determinado político porque Barrabás seria um bandido.

Mas Barrabás foi mais do que um simples bandido. O texto bíblico diz que ele era um homem acusado de sedição (Lc 23.19), alguém que queria obter o poder a qualquer custo, mesmo com derramamento de sangue.

Barrabás era a antítese de Jesus porque ele representava no imaginário judaico de sua época o Messias guerreiro, aquele que libertaria por meio da espada seu povo do jugo romano, enquanto Jesus, o verdadeiro Messias, foi rejeitado pois prometia “apenas” salvação e a libertação do jugo do pecado.

A história é uma caminhada e nós, a Igreja brasileira, tal qual como outras no passado, estamos em uma encruzilhada, tendo que escolher se queremos ser Sardes ou Filadélfia, se proclamaremos o Evangelho do Reino ou um projeto político-ideológico. Porque não dá para servirmos a dois senhores.

A Páscoa está chegando e, com ela, ecoa mais uma vez as palavras de Pilatos desafiando a multidão a fazer uma escolha, se quer o meigo Nazareno ou o agitador da espada. É hora de relembramos mais uma vez quem somos, qual a mensagem a ser pregada e o alto preço que foi pago na cruz do Calvário para que hoje pudéssemos ser chamados de cristãos.

Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Liberalismo e Conservadorismo - entendendo os conceitos

O texto abaixo foi elaborado inicialmente como um trabalho de Filosofia quando cursei Teologia na FAECAD. O mesmo consistiu em uma resenha dos capítulos sobre Liberalismo e Conservadorismo do livro Visões & Ilusões Políticas (Vida Nova, 2014), de David T. Koyzis. 

LIBERALISMO

Em uma de suas músicas mais significativas, o falecido cantor Cazuza clamava: “ideologia, eu quero uma pra viver”. Segundo de David T. Koyzis, não lhe faltaram opções.
Koyzis, é um cientista político com doutorado em Filosofia pela Universidade de Notre Dame e que leciona Ciência Política na Redeemer University College em Ontario, Canadá. Em seu livro, premiado pela The Word Guild Canadian Writing Awards na categoria não ficção/cultura, ele analisa o liberalismo, o conservadorismo, o nacionalismo, a democracia e o socialismo bem como suas variantes e desnuda seus pressupostos religiosos e até mesmo idolátricos presentes em cada uma destas cosmovisões.
Neste presente trabalho, concentraremos nossa atenção em duas ideologias distintas, porém, muitas vezes, de coexistência tão próxima que no Brasil muitos chegam a confundir uma com a outra: o liberalismo e o conservadorismo.
No preâmbulo no capítulo 2 de seu livro, onde trata do liberalismo, Koyzis trata das ideologias como uma espécie de idolatria (pois extraem um elemento da criação divina e o transformam em uma divindade segundo elas capaz de salvar os homens) e, como estas, possuem um período de apogeu, chegando a parecer invencível para, em seguida, entrarem em declínio e a perderem adeptos devido às suas contradições internas e por não conseguirem cumprir suas promessas, caminhando assim para a obsolescência.
Embora considere o comunismo o melhor exemplo deste processo, ele também o observa no liberalismo, cujas tensões internas provocam crises de fé em seus postulados.
Apesar destas crises e das mudanças que ocorreram, há uma crença básica dentro desta ideologia que é a fé fundamental na soberania do indivíduo. Porém esta crença levou a outras com suas próprias incongruências, que levam alguns a abandonar o liberalismo e outros a ajustá-las em um sistema mais amplo.
Um exemplo destas mudanças está no fato de que os liberais de hoje são bem diferentes dos liberais do século XVIII e XIX pois enquanto aqueles viam o Estado como uma ameaça à liberdade, os de hoje contam com o Estado para promoverem liberdades individuais.
São estas tensões que o autor procura explorar no capítulo 2 de seu livro.
Algumas das bases do pensamento político americano: os direitos do homem, o valor da liberdade e o caráter e a função do Estado são fruto do pensamento liberal o qual, sem dúvida, foi responsável pela melhora do status do indivíduo nos últimos séculos. Afinal, ninguém questiona o acerto da proibição do trabalho escravo ou o direito das pessoas de professarem a sua fé ou de de defenderem suas ideias sem temer represálias oficiais.
Este sucesso levou a uma hegemonia do sistema no ocidente. O autor cita o escritor Alasdair MacIntyre que em sua obra Whose Justice? Which Rationality? afirma que o liberalismo monopoliza a maioria dos sistemas políticos modernos e, por isso, o debate se dá entre liberais conservadores, liberais liberais e liberais radicais. Nos EUA, tanto os atuais liberais quanto seus rivais conservadores se originam da mesma raiz liberal.
Na Europa o termo liberalismo remete às ideias de John Locke (1632-1704), Adam Smith (1723-1790), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Immanuel Kant (1724-1804). Suas ideias contribuíram para a Revolução Americana, a Revolução Francesa e as revoluções europeias de 1848. Os representantes mais recentes do liberalismo, são Friedrich von Hayek (1899-1992), Milton Friedman (1912-2006), Robert Nozick (1938-2002) e John Raws (1921-2002).
O liberalismo parte da crença fundamental na autonomia humana, na capacidade do homem de dirigir a si mesmo, de governar-se segundo suas próprias leis.
Porém, para um liberal, esta liberdade, não degeneraria em caos pois há um limite no uso da liberdade individual que é a liberdade do outro, visto que todos tem igual direito de se governarem de acordo com suas próprias escolhas desde que estas não infrinjam o direito do outro de fazer o mesmo. Se o fizer, deverá ser responsabilizado por isso. Mas aí está o dilema liberal: apesar de ser contra a intervenção estatal na vida do indivíduo, necessita de uma autoridade política para responsabilizar e coibir um indivíduo que abuse de sua liberdade contra o outro.
Embora, do ponto de vista histórico, o liberalismo seja um fenômeno relativamente recente, suas raízes remontam a Grécia clássica. Um dos pioneiro a pensar o indivíduo além da pólis grega foi Epicuro (341-270 d.C.) cuja filosofia tem algumas algumas semelhanças com os primeiro liberais, especialmente Thomas Hobbes. Epicuro afirmava que o ser humano é formado de átomos em constante movimento e que não há vida após a morte. Ele e seus discípulos adotaram uma forma primitiva de individualismo.
O liberalismo, porém, surgiu nos séculos 17 e 18 no auge da revolução científica e do programa cartesiano, baseado em modelos matemáticos. Seguindo o pensamento cartesiano, o liberalismo procurou estudar a sociedade a partir daquilo que ela é composta, isto é, os indivíduos.
Para os liberais, a humanidade possui certos direitos que se manifestam na pessoa de cada indivíduo. Indo além, creem que os indivíduos são soberanos e que são eles que determinam a forma de sua comunidade. Embora alguns mais abertos, reconheçam a necessidade de uma comunidade sadia para o bem-estar do indivíduo, ainda assim as prerrogativas da sociedade estão subordinadas aos direitos do indivíduo.
Em seus primórdios, o liberalismo procurou apagar os vestígios do feudalismo que ainda existiam na sociedade europeia como a classificação de pessoas pelo status social, independente de seu mérito. A meritocracia beneficiaria cada indivíduo e, consequentemente, a sociedade.
Para eles, os direitos individuais são anteriores à formação da sociedade e do corpo político. A este período – histórico ou não – chamam de estado de natureza. Segundo Thomas Hobbes em sua obra Leviatã, este estado onde tudo era lícito e cada um poderia fazer o que considerasse necessário para a sobrevivência era um estado de guerra generalizada. Já Locke, tendia a ver o estado de natureza de uma forma mais pacífica, mas mesmo assim, para ele a propriedade não era plenamente desfrutada de forma segura e estável.
Para os liberais, a comunidade civil substituiu o estado de natureza por meio de uma promessa mútua. Esta teoria ganhou o nome de contrato social. Para eles, a única razão de existir do Estado é servir às necessidades dos indivíduos.
A partir deste ponto, o autor do livro começa a explanar as mudanças que ocorreram no pensamento liberal ao longo do tempo. Segundo ele, ao proporem incluir mais elementos ao escopo das liberdades do homem, foram, passo a passo, ampliando também o papel do governo. Segundo ele, este processo ocorreu em cinco estágios.
Segundo Koysis, o primeiro estágio seria o da comunidade hobbesiana, o que equivale às monarquias absolutas do início da era moderna. Para Hobbes, o soberano está acima da lei e não sujeito à ela, enquanto seus súditos devem temê-lo e sujeitar à ele, pois é preferível seu governo do que o estado de natureza. Em comparação com o pensamento atual, este estágio seria melhor classificado de pré-liberal ou protoliberal.
No estágio seguinte, o segundo, vemos a ampliação do direito individual à autopreservação se ampliando para incluir também a propriedade. É o estágio do Estado guarda-noturno.
A ênfase na propriedade levou o liberalismo clássico à opção preferencial pelo livre-mercado e sua aversão à intervenção governamental.
Em 1776, Adam Smith publicou sua famosa obra A riqueza das nações, na qual expõe sua teoria econômica baseada na competição individual, na divisão do trabalho, na desregulamentação do mercado interno e no comércio internacional irrestrito. Estava lançada as bases para o lado econômico do liberalismo, o capitalismo.
Karl Marx definiu o capitalismo como o estágio em que os meios de produção se concentram nas mãos da burguesia e os trabalhadores – chamados de proletariados – não passariam de mais uma mercadoria a ser vendida no mercado.
Já Max Weber, o vê como um espírito específico que leva seus adeptos a focarem em seu trabalho a fim de multiplicarem seu capital, evitando qualquer diversão consumista.
Por sua vez, Goudzwaard define o capitalismo moderno como uma estrutura social em que um grande número de forças sociais se combinam para apoiar o crescimento econômico e o desenvolvimento tecnológico.
Porém, em uma nota de rodapé na página 66, o autor cita que o teólogo Harvey Cox defendeu que a devoção ao mercado é uma espécie de religião semelhante em funcionamento às religiões tradicionais, inclusive ao cristianismo.
Para o autor, o capitalismo é, portanto, uma atividade econômica baseada na autonomia humana, separada de sua dependência da atividade criadora e redentora de Deus. Esta autonomia é vista como um atributo do indivíduo, o que liga o capitalismo ao liberalismo.
Segundo Adam Smith, ao buscar seu próprio interesse, o agente econômico é levado por uma “mão invisível” a fazer o que melhor para a sociedade, sem necessidade de interferência do Estado. Cabe a este apenas proteger o direito individual de tomar decisões, por meio de algumas regras amplas para reger as transações econômicas.
Embora haja um forte compromisso com a igualdade no pensamento liberal, a acumulação de bens como resultado da atividade econômica desiguala as pessoas, o que levou diversos liberais a crises de fé durante a Revolução Industrial.
Embora a Revolução Industrial tenha, por meio da produção em massa, dado acesso à população a uma grande quantidade de produtos a um baixo custo, melhorando sua qualidade de vida, ela também tem um lado sombrio pois ela, ao invés de erradicar a pobreza, apenas mudou as suas características levando a uma grande parcela da população a se sujeitar a extensas jornadas de trabalho a um salário irrisório nas fábricas urbanas de grandes corporações.
Neste ponto Koysis, aponta para um fator sempre desconsiderado pelos ideólogos seculares: a influência deletéria do pecado, comprometendo e inviabilizando seus projetos sociais de alcançarem seu utópico destino. No caso do liberalismo, ele revela um paradoxo: em tese, todos os homens são igualmente livres, mas ao exercerem esta liberdade, tornam-se desiguais e ainda fazem uso desta liberdade para tirar a liberdade – e os recursos – de outros.
Com isso, diversos liberais compararam a competitividade econômica a um jogo, onde o governo determina as regras, mas não o resultado. No século 19, alguns pensadores tomaram o conceito evolucionista da seleção natural e o aplicaram no âmbito econômico e liberal, uma espécie de “darwinismo social”.
Tais tensões levaram a vários adeptos do liberalismo nos séculos 19 e 20 a buscarem um outro rumo, surgindo assim o terceiro estágio, o Estado Regulatório. Nesta fase, liberais tardios e socialistas propõe que o Estado é autorizado a proteger a liberdade individual quando esta é ameaçada por centros não estatais de poder. Nos EUA, um dos mais famosos defensores deste papel do Estado foi o presidente Theodore Roosevelt que se opunha ao que ele chamava de “baronato industrial”.
Mas a busca por tentar minimizar as diferenças entre os indivíduos continuou, vindo a seguir o quarto estágio: o Estado da Igualdade de Oportunidades.
Esta mudança foi proposta porque no liberalismo clássico, de intervenção estatal mínima, pessoas originárias das camadas menos favorecidas da sociedade não terão as mesmas oportunidades que outras pessoas oriundas do topo da pirâmide social. Como afirma Koysis: “se a vida é de fato um jogo, esses jogadores não estão sequer na mesma divisão do campeonato”.
Por isso, uma nova geração de liberais no início do século 20 defendeu o uso da razão e da ação do Estado para controlar contingências econômicas, sendo seu principal nome teórico John Maynard Keynes. Ele defendia a criação de vários programas para facilitar a vida das empresas e combater o desemprego, o que prevaleceu desde a Grande Depressão de 1930 até a primeira Crise do Petróleo de 1973.
Assim, enquanto liberais tardios nos EUA acabaram por adotar o Estado de Bem-Estar Social para garantir maior igualdade econômica, no resto do mundo, tais políticas foram adotadas por sociais-democratas.
A incessante busca dos liberais por mais liberdade levou ao quinto estágio: o do Estado de Apoio à Escolha.
O liberalismo nega a existência de um bem comum, mas sim um bem determinado soberanamente por cada indivíduo. Por isso, o Estado não deve jamais tentar julgar previamente as escolhas dos indivíduos. Isto exige um Estado espiritualmente vazio, ou seja um Estado que se abstenha de fazer uma legislação da moralidade.
Isto leva o liberalismo do quinto estágio a um dilema. Ainda que o Estado se abstenha de julgar a bondade das escolhas pessoais, não pode ignorar as consequências desta livre escolha. Quando estes efeitos indesejáveis ocorrem, ao invés de reconhecerem a utopia de seu propósito, os liberais do quinto estágio apelam ainda mais ao governo para que tente eliminar as consequências destas escolhas individuais.
Por exemplo, se as pessoas escolhem livremente o consumo de drogas, o governo tem de criar um apolítica de redução de danos do consumo fornecendo seringas descartáveis aos usuários e, se possível, descriminalizando o consumo. Se as pessoas escolhem livremente terem uma vida sexual ativa, mas não querem assumir a responsabilidade de criar aos filhos advindos desta mesma atividade sexual, cabe ao Estado prover meios para que possam praticar o aborto em segurança.
Como bem analisa o autor: “em vez de convocar os cidadãos a assumir suas responsabilidades em diversos contextos de comunidade, esse estágio final do liberalismo exige que o governo subsidie o comportamento irresponsável.”
Vê-se que o liberalismo fracassa como teoria política, justamente por oferecer uma visão de Estado como um promotor das vontades individuais de uma sociedade, ao invés de um poder moderador dos interesses diversos que compõe uma sociedade.
Uma outra crítica que se faz ao liberalismo está em sua exigência de que as religiões se restrinjam ao plano da convicção privada, mantendo-se fora da vida pública.
Quando o liberalismo restringe ou até mesmo abole a participação da religião do espaço público, ele está na verdade criando uma reserva de mercado para si próprio, pois como, afirma o autor, o liberalismo é, ele próprio, uma religião idolátrica onde o homem é entronizado como deus.
Para corroborar sua visão, o autor cita David L. Schindler que em seu livro Heart of the World, afirma que “o liberalismo é permeado de um espírito cuja lógica é contrária ao testemunho cristão público e cujo individualismo é difícil de conter dentro de limites normativos”.
Além disso, o liberalismo demonstra dificuldades com o fato de que os seres humanos foram criados para a vida em comunidade e que isto gera obrigações legítimas para além de acordos voluntários.
O autor conclui sua análise do liberalismo apontando como esta ideologia fracassa duplamente, primeiro em tentar oferecer uma falsa salvação baseada na crença na autonomia indivíduo e em se recusar a ver o Estado como uma comunidade dotada de autoridade que não pode ser reduzido ao simples consenso voluntário de indivíduos.

CONSERVADORISMO

Meu tempo é hoje. Não vivo no passado, o passado vive em mim”
Paulinho da Viola

No capítulo a seguir Koysis passa a analisar algo que talvez fosse melhor descrito como um fenômeno do que uma ideologia: o conservadorismo.
Como ele mesmo coloca, o conservadorismo não é, em si mesmo, uma ideologia unificada ou uma postura doutrinária identificável pois enquanto o liberalismo e o socialismo deificam, respectivamente, o homem e a classe econômica, o conservadorismo se comporta mais como uma tendência presente dentro das ideologias.
Apesar disto o autor afirma com firmeza que o conservadorismo apresenta, sim, características que permitem classificá-lo como uma ideologia.
Conservar significa preservar alguma coisa, enfrentar forças que tendem a eliminar esta coisa com o passar do tempo. O conservador age assim pois considera que as mudanças levam a inevitáveis perdas de coisas boas que não podem ser substituídas.
Porém, Koysis alerta para o fato de que esta “melancolia” pode ser consequência da perda de poder e de privilégios fruto da erosão de um sistema político ou econômico. Ele, inclusive, cita Marx e Mannheim, para quem todas as ideologias são conservadoras e tentam preservar as relações de poder existentes. Por isso, muitos observadores tendem a examinar argumentos conservadores com uma certa dose de suspeita, mas isso pode não passar de uma estratégia para não se esforçar em lidar com o argumento que podem ter alguma legitimidade. Ao invés de analisar a questão levantada, desqualifica-se a intenção do questionador, taxando-a de um saudosismo de quem perdeu ou pode perder poder ou privilégios frente a uma nova realidade.
Porém, o que torna o conservadorismo difícil de ser estudado é o fato de que seu conteúdo, ou seja, o que pretende conservar, varia dependendo da época e do lugar. Mas, mesmo assim, é uma corrente intelectual independente digna de reflexão.
Embora não esteja longe da verdade reconhecer o conservadorismo como um fenômeno historicista, sem uma cosmovisão coerente tampouco um programa de ação política, esta ainda é uma definição simplista.
O que torna alguém um conservador é a forma como este lida com a tradição e com as mudanças pois os conservadores percebem com clareza a fragilidade dos empreendimentos humanos. Também percebem a tendência de boas ideias degenerarem para o mal e para o caos. O autor, neste ponto, lembra que esta tendência é bem conhecida pelos cristãos que a chamam de “pecado original”.
Conservadores portanto, desconfiam de utopias, aliando-se aos realistas e tendem a valorizar as pequenas ações que valorizem a comunidade.
Contudo, o conservador não nega as imperfeições da sociedade, porém, segundo ele, se um certo costume ou prática social tem funcionado relativamente bem, cabe ao reformista provar que a mudança proposta de fato, levará a um avanço tal que compense eventuais efeitos colaterais de sua aplicação. Caso contrário, o conservador defenderá a permanência da prática consolidada.
O autor, visto ser canadense, tende a identificar o conservador típico de acordo com a realidade político-social de seu país, quando muito de seu vizinho abaixo, os Estados Unidos. Por isso ele, na página 93 de seu livro, afirma que “um dos motivos pelos quais os conservadores favorecerem a autonomia local ou regional contra um governo nacional supercentralizado é que o nível local é mais apropriado para testar novas propostas”. Se o autor em questão fosse brasileiro e tomasse como referência nossa história e sociedade, provavelmente sua conclusão a respeito das preferências conservadores fosse diametralmente oposta no tocante a descentralização política.
Enquanto um revolucionário tende a concluir que não há nada que se possa aproveitar acerca das instituições e costumes da sociedade a que se propõe reformar, um conservador rejeita tal conclusão por ser pessimista demais acerca do presente e otimista demais acerca da capacidade humana de construir uma sociedade ideal.
Deixando ainda mais claro, no ocidente o conservador se contrapõe tanto ao liberalismo quanto ao socialismo pois reconhece as limitações da razão humana, por exemplo, rejeitando as atuais propostas igualitárias de rearranjar a instituição do casamento. Um conservador dá grande valor a tradição pois esta representa a experiência acumulada e a sabedoria de gerações passadas.
Por tudo isto, um conservador tende a ter um caráter mais nacionalista do que cosmopolita, especialmente se o conceito de nação estiver ligado a tradições locais ameaçadas por entidades políticas mais amplas.
Mais uma vez citando a realidade norte-americana, Koysis, chama a atenção para a tenção existente entre o conservadorismo tradicional (pró-família e pró-vida) e o libertarianismo (monetaristas e pró-mercado) que coexistem dentro do conservadorismo dos EUA.
Na prática, o conservadorismo americano está calcado em bases liberais pois os EUA não vivenciaram como país o feudalismo, a aristocracia ou a monarquia. Foi um país que nasceu sob a hégide do iluminismo, restando aos seus conservadores apenas as instituições família a casamento como pré-liberais a serem defendidas.
Portanto, os conservadores americanos ao mesmo tempo em que se mantém fiéis aos princípios básicos do liberalismo tentam combater o que consideram efeitos deletérios de certas políticas liberais. Mas o autor considera que qualquer vitória que o conservadorismo possa vir a ter tende a ser temporária pois não possuem um fundamento suficientemente firme.
A falta de um fundamento sólido fica mais claro a seguir quando o autor procura expor a complexidade da questão da defesa da tradição. Qual tradição?
Segundo ele, a tradição, para ser viva, tem de desempenhar um papel importante na vida de quem a segue, senão torna-se em tradicionalismo, isto é, uma adesão automática e acrítica a ideias e prática que não fazem mais sentido.
Por exemplo, tanto os reformadores quanto seus críticos da Igreja católica poderiam argumentar que buscavam preservar a tradições cristãs distintas e, portanto, poderiam acusar um ao outro de promotores de inovações indevidas. Ambos estavam certos pois enquanto reformadores buscavam resgatar a tradição da Igreja Bíblica e Primitiva, católicos buscavam manter a tradição milenar da igreja institucionalizada.
Ou seja, tradições existem em camadas temporais, fato este que conservadores tendem a se esquecer.
O grande perigo do conservadorismo está no fato de que ele pode facilmente se tornar romântico, isto é, tentar reconstruir um passado ideal que nunca existiu. Conservadores pró monarquia, por exemplo, ao romantizar a relação entre reis, nobreza e plebe, tendem a esquecer que estas classes muitas vezes entraram em conflito entre si.
Ao não conseguirem chegar a um consenso sobre qual tradição preservar, os conservadores mostram que são incapazes de formular um critério universalmente aceitável, para definir o que deve ser preservado ou descartado.
Além disso, conservadores tem dificuldade de reconhecer que Deus fez a criação dinâmica, isto é, passível de mudança e desenvolvimento, portanto, tais características não são defeitos a serem evitados a todo custo. Porém, como enfatiza o autor, o conservador não está errado em recomendar cautela nas avaliações de propostas concretas de mudança (grifo do autor).
Um ponto positivo do conservadorismo é seu caráter apologético. Sua consciência da finitude e da falibilidade humana em prol da melhoria social desmascaram as pretensões gnósticas de elites – seja mais à direita, seja mais à esquerda do espectro político-ideológico – que se julgam mais esclarecidas do que o povo a quem procuram governar.
Muito do que temos hoje é fruto de tradições herdadas e aprovadas pelo uso, tais como roupas, talheres, universidades e orquestras, porém outras tradições podem e devem ser questionadas como a segregação racial e a discriminação da mulher no mercado de trabalho. Inclusive, tais tradições negativas podem ser contestadas inclusive por outras tradições maiores e mais profundas como, por exemplo, raízes cristãs e princípios constitucionais.
Koysis, afirma que se quisermos compreender a natureza da política sob uma perspectiva cristã, “temos de olhar para além de nossas tradições” pois estas são falíveis, posto que humanas.
Apesar disto, no ocidente muitos conservadores são cristãos. O primeiro motivo é porque creem que os ensinamentos do cristianismo são verdadeiros. O segundo motivo é porque faz parte do legado cultural do Ocidente. Porém, para conservadores pautados apenas por este segundo motivo, o cristianismo é apenas uma entre várias tradições que juntas constituem a cultura ocidental e não uma verdade de fé.
Porém o próprio cristianismo é uma religião calcada na recepção, transmissão e preservação de uma Grande Tradição, tanto escrita quanto oral, tradição essa que vai além da sabedoria humana transmitida de geração a geração mas que remonta a Palavra de Deus revelada aos profetas e apóstolos. Embora a maioria dos cristãos afirmem que o cristianismo bíblico tem a ver com todos os aspectos da vida humana, entre seus postulados de fé não se encontram a fé na democracia, monarquia, socialismo ou capitalismo.
Voltando a questão conservadorismo x liberalismo, é importante ressaltar que estas duas ideologias não são nem incompatíveis, nem correlatas entre si. Na verdade, a antítese do conservadorismo seria não o liberalismo, mas sim o progressismo.
Diferente do revolucionário, o reformista reconhece a validade de se construir algo novo sob as bases da tradição recebida, mas o conservador também neste caso, apela para a cautela, visto que não há, de fato, garantia de continuidade, nem certeza de progresso.
O que conservadores tendem a desconsiderar é que aquilo que aprovam hoje como tradicional já foi visto e criticado em sua época como inovador e controverso, seja na música e até mesmo na teologia, com foram os casos da música barroca e da teologia de Tomás de Aquino, criticadas pelos conservadores de sua época.
Neste ponto, o autor deixa claro seu ponto de vista de que o cristão deve ter discernimento pois “o progresso e a preservação caminham lado a lado” e alerta que se ater a apenas um destes elementos seria “cair num tipo de idolatria”. Mais importante do que o ritmo da mudança é refletir acerca de sua direção.
Como possível teoria cristã o conservadorismo falha em não ser, de fato, intrinsecamente cristão e também por não oferecer uma visão coerente de Estado dentro da sociedade humana, de seu papel na criação de Deus.
Concluindo, vivemos em nosso país um período de efervescência político-ideológica ocasionadas pela ascensão e queda do projeto petista de poder o qual tem trazido para o debate público, seja na imprensa, seja nas redes sociais, representantes dos mais variados matizes ideológicos: defensores ardorosos do socialismo, do liberalismo e do conservadorismo claramente se veem representados.
O mais assustador disto é perceber entre estes apaixonados muitos cristãos os quais sem perceber, segundo Koysis, estão participando ativamente de uma estrutura idólatra onde o centro do culto não é Deus, mas o homem, o capital ou o Estado-nação.

sábado, 27 de abril de 2019

Qual a importância da filosofia e das demais ciências humanas?

Resultado de imagem para tempos modernos
Cena do filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin



Será que está no fato de que foi ela por meio da reflexão dos filósofos gregos Leucipo e Demócrito quem primeiro conceituou a existência do átomo 2200 anos antes da ciência conseguir comprovar a sua existência?
Será que está no trabalho de Platão que 400 anos antes de Cristo, declarou que o homem é composto de um corpo físico mortal e uma alma imortal?
Será que está no trabalho de Heráclito que por volta de 500 antes de Cristo desenvolveu o conceito do Logos, posteriormente aperfeiçoada por outros filósofos como os estóicos, Plotino e Fílon de Alexandria e mais tarde incorporado pelo evangelista João ao seu Evangelho como sendo o próprio Cristo?
Estaria na base teórica de todos esses filósofos que foi utilizada pelos pais da Igreja, como Justino Mártir e Clemente, entre outros, para defender a fé cristã da acusação dos romanos de que não passava de uma religião primitiva de pessoas ignorantes.
Estaria, talvez, em sua base teórica que permitiu a um dos grandes pensadores da história do cristianismo, Agostinho de Hipona a desenvolver sua teologia?
Ou, talvez, esteja em sua capacidade de explicar o comportamento das pessoas em face das mudanças que sempre ocorrem ao longo da história, como recentemente fez Zygmunt Balman ao desenvolver o conceito de “sociedade líquida” para descrever o comportamento humano após o impacto da revolução digital e das redes sociais em seu cotidiano.
Na minha opinião, a importância de se estudar a filosofia – e a sociologia, a antropologia, a teologia e a Arte – está em fazer aquilo que muitas pessoas em posição de poder não querem que as demais façam: pensar, refletir, questionar, propor.
Para estas pessoas, bastam que os outros saibam ler, escrever, fazer conta. Para serem máquinas de trabalhar, basta isso.
Mas para serem pessoas plenas, é necessário que exercitem sua capacidade de pensar, de ir além. Por isso tive aula de filosofia tanto na faculdade de Comunicação quanto na de Teologia (gratidão eterna, professor Moisés Martins!). Por isso minha filha de 14 anos estuda filosofia no 9o. ano do ensino fundamental. Para ser mais do que uma boa profissional que aperte botões ou faça cálculos, para ser uma pessoa plena, inclusive apertando botões e fazendo cálculos.
Por tudo isso, a filosofia é a mãe de todas as ciências, inclusive das exatas, visto que Aristóteles era filósofo.
Mas o que é filosofia? Vamos à exegese da palavra, como costumamos fazer com termos bíblicos. A origem da palavra filosofia está na junção de duas palavras gregas: Filo + sofia, isto é, amor + sabedoria. Portanto, filosofia é o amor pela sabedoria, pelo conhecimento, pela reflexão. Antes de existir o cálculo, existe a reflexão. Antes de se descobrir o átomo, existe a reflexão. Antes de se descobrir a si mesmo, vem a reflexão. Sem a reflexão, não somos nem gente. E já que falamos de termos bíblicos, segue aqui um versículo para nossa meditação:

pois a sabedoria é muito mais proveitosa que a prata, e o lucro que ela proporciona é maior que o acúmulo de ouro fino.” Pv. 3.14

Obviamente que a sabedoria de Deus é infinitamente superior à sabedoria humana, mas estas não são autoexcludentes. Há espaço na mente e no coração do homem para a sabedoria revelada da parte de Deus e a sabedoria adquirida com a vivência, como vemos o escritor de Eclesiastes citar diversas vezes o que viu e refletiu e as conclusões que chegou.
Sem filosofia não se faz teologia pois para saber ler é preciso antes saber pensar.

Pense nisto.

Fonte: 

sábado, 18 de agosto de 2018

Um Messias para chamar de seu

"Give us Barabbas" - Illustrations from volume 9 of The Bible and its Story Taught by One Thousand Picture Lessons, edited by Charles F. Horne and Julius A. Bewer, published in 1910. 

Quando Jesus nasceu, Israel não era mais Israel. Era chamada agora pelos conquistadores romanos de Palestina, fatiada em diversas regiões administrativas controladas por fantoches de Roma como os Herodes (Antipas na Galileia e Filipe na Idumeia) e por um representante direto de Roma na Judeia, o governador Pôncio Pilatos.
Esta dominação ocorreu após o esfacelamento da dinastia dos Hasmoneus, o último governo judaico após as guerras judaicas de libertação contra o império selêucida (que impusera a helenização forçada dos judeus) deflagrada pelos Macabeus. Mas este breve período de governo judaico careceu de legitimidade junto ao povo, visto que a dinastia hasmoneu não era de origem davídica e sem o sumo-sacerdote era de origem aarônica.
Este vácuo político religioso somado à ocupação e opressão estrangeira levou ao povo judeu a ansiar pela vinda do Messias, mas não daquele descrito pelo profeta Isaías no capítulo 53 de seu livro como o servo sofredor, mas um messias político, guerreiro que libertasse o povo de seus inimigos externos.
Mas alguns judeus se cansaram de esperar pelo Messias e resolveram agir. Surgiram os zelotes – guerrilheiros para os judeus, terroristas para os romanos – que por meio de emboscadas e ataques surpresa, lutavam sem sucesso contra a ocupação romana.
Então veio Jesus. Mas sua mensagem não era o que se esperava: não veio falar de uma libertação de um inimigo externo, mas sim de um interno, o pecado: “arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.15) era sua mensagem. Pior ainda sua mensagem era claramente pacifista: “Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra; e ao que te houver tirado a capa, não lhe negues também a túnica.” (Lc 6.19. Seu desapego por questões políticas era tanto que não questionou o pagamento de tributo ao império pagão e opressor: “dai pois a César o que é de César” (Lc 20.25). Para que não restasse nenhuma dúvida, deixou claro à Pilatos que seu reino – sim Jesus é um Rei – não tem conotação política - “meu reino não é deste mundo” (Jo 18.36).
De fato, Jesus era um messias diferente daquele que os judeus tanto esperavam em seu imaginário. Eles queriam alguém que resolvesse logo a situação, que com um único golpe de espada mágico expulsasse os inimigos do povo, da Lei e de Jeová. Um líder guerreiro de braço forte, como havia sido Davi, afinal, o Messias não seria filho de Davi?
Então Pilatos propôs uma eleição direta ao povo de Jerusalém:
Ora, no dia da festa costumava soltar-lhes um preso qualquer que eles pedissem.
E havia um chamado Barrabás, que, preso com outros amotinado- res, tinha num motim cometido uma morte.
E a multidão, dando gritos, começou a pedir que fizesse como sempre lhes tinha feito.
E Pilatos lhes respondeu, dizendo: Quereis que vos solte o Rei dos Judeus?
Porque ele bem sabia que por inveja os principais dos sacerdotes o tinham entregado.
Mas os principais dos sacerdotes incitaram a multidão para que fosse solto antes Barrabás.
E Pilatos, respondendo, lhes disse outra vez: Que quereis, pois, que faça daquele a quem chamais Rei dos Judeus?
E eles tornaram a clamar: Crucifica-o.”
Marcos 15:6-13
Para a multidão, a mensagem de Jesus de amor ao próximo, perdão ao inimigo, de diálogo e reconciliação com párias de seu tempo (leprosos, publicanos corruptos e samaritanos) era um escândalo para o povo, assim como sua denúncia da espiritualidade vazia era um perigo para os líderes religiosos de seu tempo. Para estes, Jesus era um fraco, alguém que só tinha palavras a oferecer; nos dias de hoje diriam que era só “mimimi”.
Então o povo votou na única escolha lógica e racional. Tempos extremos exigem medidas extremas. Escolheram a Barrabás, o homem da espada.
Barrabás foi varrido para o limbo da história. Fora da Bíblia, ele não existe. Sua liderança política contra os romanos se mostrou um engodo. Mas os judeus não desistiram de conquistar sua libertação à força pois Deus estaria com eles, afinal, eram o povo escolhido. De fato, décadas depois eclodiu uma nova revolta judaica. Mas no ano 70 d.C. o general Tito de Roma invadiu uma Jerusalém já enfraquecida por disputas internas entre os diversos grupos de rebeldes judeus, cada um com seu próprio messias. Um banho de sangue varreu as ruas da cidade. O templo foi destruído e nunca mais reerguido. O povo judeu, mais uma vez espalhado pelo mundo.
Enquanto isso, os seguidores do Messias rejeitado, crucificado e ressuscitado, também se espalhavam pelo mundo conquistando-o não pela força da espada, mas pela força do mesmo discurso de seu Mestre: “arrependei-vos e crede no evangelho”.
Em nosso país e no mundo vemos um fenômeno político em pleno desenvolvimento: neste mundo pós-moderno, a crise de credibilidade das instituições (governos, partidos, mídia e até mesmo igrejas) tem levado a muitos a rejeitar os princípios básicos da democracia e a sonharem com líderes que resolvam seus problemas com uma “canetada” só. Não é à toa que líderes autocráticos como Putin, Erdogan, Chávez, Trump têm se levantado no mundo. Também não é a primeira vez que isto acontece. Na primeira metade do século XX outros se levantaram: Franco, Mussolini, Stalin e, Hitler. O resultado todos nós conhecemos.
Porém, há uma diferença entre os líderes populistas de hoje e os do passado. Os de hoje, todos eles, chegaram ao poder legitima e democraticamente eleitos pelo voto popular. Depois de eleitos, elaboram mecanismos para enfraquecerem ou subordinarem os outros entes da República (Legislativo e Judiciário) além de se colocarem em guerra aberta contra um importante representante da sociedade civil: a imprensa livre. Para que seus planos de perpetuação do poder se concretizem é também necessário uma legião de adoradores no meio do povo que os defendam contra tudo e contra todos e uma oposição amordaçada que não consiga denunciar seus desmandos.
O populismo não é de direita nem de esquerda, ele é essencialmente idólatra, voltado para a adoração cega e acrítica de um líder como o salvador da pátria, o redentor da nação, ou seja, estamos falando de um tipo de anticristo. Alguém que tenta trazer para si atributos que somente devem pertencer a uma única pessoa em toda a História.
No Brasil, vemos isto se repetindo inúmeras vezes ao longo de nossa história: Getúlio Vargas, o pai dos pobres. Jânio Quadros, o não-polítoco contra a corrupção, Fernando Collor, o caçador de Marajás. Lula, o novo Pai dos pobres. Jair Bolsonaro, o mito.
Jair Messias Bolsonaro tem seduzido a uma grande parcela da população brasileira, especialmente entre evangélicos com seu discurso conservador contra uma onda liberalizante que tem varrido nosso país de forma deliberada e organizada à qual fazem parte partidos políticos, empresas de mídia e meio acadêmico.
Esta onda é real e é justificável o receio que ela tem causado nas famílias e igrejas. Bolsonaro encarnou para estas pessoas a solução fácil para um problema complexo. A questão é o preço a se pagar por esta solução. E sempre há um preço. Junto com seu discurso conservador há outro discurso que é comprado junto e que nunca fez parte das aspirações da comunidade evangélica brasileira: enfraquecimento das instituições democráticas, valorização do uso da violência e da força – não apenas policial mas também dos “cidadãos de bem” - contra a criminalidade, o uso do deboche e do escárnio contra grupos com os quais não se simpatiza, tais como mulheres, quilombolas, etc.
Por que este fenômeno acontece? A igreja está com medo e acovardada. Uma igreja que não ora mais, que não evangeliza mais, que não proclama mais o evangelho da salvação custe o que custar e que ficou confortável em seu ambiente social está vendo o mundo à sua volta se transformar e crescer contra ela. Uma sociedade que no passado era cristã, hoje se trona pós-cristã e até mesmo anti-cristã. Mas Cristo havia dito que nos enviaria como ovelhas no meio de lobos, porém a igreja moderna parece não acreditar mais que o bom pastor a protegerá, então parece estar querendo contratar um segurança para afugentar os lobos.
Uma igreja que embora tenha crescido na sociedade brasileira não se fez relevante nesta mesma sociedade e, por isso, tem medo de um plebiscito acerca do aborto, pois não sabe o como a sociedade se posicionará acerca desta questão. Esta igreja está tão consciente que não fez o suficiente para esclarecer as pessoas sobre a monstruosidade que é o aborto que chega ao ponto de confundir ser à favor do plebiscito com ser à favor do aborto em si. Esta igreja tem medo que o povo brasileiro diga sim, por isso sonha com um líder que autoritariamente diga não por ela.
Mas isto em si mesmo, embora triste não é o real problema.
Bolsonaro também não é o problema. Na verdade, não há problema algum em cristãos darem à ele um voto de confiança por acreditarem que ele seja o melhor candidato para o atual momento do país. O problema é ver cristãos praticando idolatria.
O Salmo 115.8 afirma que idólatras tornam-se semelhantes aos seus ídolos. Por isso, fiquei realmente assustado e triste ao ver pessoas que se identificam como cristãos fazendo uma campanha apaixonada, agressiva e até mesmo debochada do candidato Jair Bolsonaro.
Ironicamente, Bolsonaro, o candidato que nestas eleições melhor representa o messianismo político, tem Messias como seu nome do meio. Alguns deles chegaram até mesmo a afirmar que “Bolsonaro é o messias que salvará o país”. Isto sim, é preocupante.
Creio firmemente que um cristão com seus olhos fitos em Cristo participa de um processo eleitoral de forma crítica e desapaixonada, pois sabe que a verdadeira solução para os problemas deste país não virá de mãos humanas mas por meio de uma verdadeira conversão de nosso povo a Cristo, por meio do arrependimento dos pecados e da busca por se viver segundo os padrões do Reino. Este país não mudará de cima para baixo, mas de dentro para fora. Mas para que isto aconteça, para que o aborto se torne em uma lembrança amarga do passado. Para que, nossos presídios fiquem vazios por que crimes não são mas cometidos, para que a mulher, o negro e o pobre tenham o reconhecimento e o tratamento digno a que tem direito, é preciso que a Igreja saia de sua letargia e pregue, propagandeie o verdeiro Messias que irá redimir esta nação corrompida pelo pecado. E isto é nossa missão como igreja mas, como diz Paulo: “Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue?” Rm 10.14
É fundamental que a igreja brasileira perca seu medo, pois este além de ser um péssimo conselheiro é inimigo da fé. É fundamental que ela entenda que é uma minoria, aprisco de ovelhas em meio a lobos, embaixadora de um Reino vindouro que não é este e proclamadora de que ele está às portas.
Mas para isso é necessário que façamos as escolhas certas e não estou falando das próximas eleições.
Quando entregamos nosso coração e nossas esperanças a um outro messias que não o verdadeiro e único, estamos também trocando os princípios e valores do Reino por outros princípios e valores que, por mais parecidos que sejam, não são iguais. Isto é válido para qualquer cristão que idolatre ideologias, sejam elas de direita ou de esquerda. Quando a igreja se identifica com uma ideologia humana, ela automaticamente deixas de interpretar o mundo à luz do evangelho de Cristo para interpretá-lo à luz de Karl Marx, Adam Smith, Simone de Beauvoir ou mesmo Adolph Hitler. Deus exige exclusividade. Para um verdadeiro cristão, bandido bom não é bandido morto, tampouco o bandido é uma pobre vítima da sociedade. Um bandido, tal qual o que foi crucificado ao lado de nosso Senhor, é um pecador que, como cada um de nós, precisa desesperadamente de um encontro com Cristo e ter sua vida transformada.
O Israel do passado desprezou a Jesus por não se parecer com o padrão messiânico que eles imaginavam e então escolheram a Barrabás. A pergunta que me faço hoje olhando para a igreja brasileira de hoje é: será que nós, no lugar deles, escolheríamos diferente?

Portanto, também nós, considerando que estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas, desembaracemo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que nos está proposta, olhando fixamente para o Autor e Consumador da fé: Jesus, o qual, por causa do júbilo que lhe fora proposto, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e assentou-se à direita do trono de Deus.” Hb 12.1,2