O texto abaixo foi elaborado inicialmente como um trabalho de Filosofia quando cursei Teologia na FAECAD. O mesmo consistiu em uma resenha dos capítulos sobre Liberalismo e Conservadorismo do livro Visões & Ilusões Políticas (Vida Nova, 2014), de David T. Koyzis.
LIBERALISMO
Em
uma de suas músicas mais significativas, o falecido cantor Cazuza
clamava: “ideologia, eu quero uma pra viver”. Segundo de David T. Koyzis, não lhe
faltaram opções.
Koyzis,
é um cientista político com doutorado em Filosofia pela
Universidade de Notre Dame e que leciona Ciência Política na
Redeemer
University College
em Ontario, Canadá. Em seu livro, premiado pela The
Word Guild Canadian Writing Awards
na categoria não ficção/cultura, ele analisa o liberalismo, o
conservadorismo, o nacionalismo, a democracia e o socialismo bem como
suas variantes e desnuda seus pressupostos religiosos e até mesmo
idolátricos presentes em cada uma destas cosmovisões.
Neste
presente trabalho, concentraremos nossa atenção em duas ideologias
distintas, porém, muitas vezes, de coexistência tão próxima que
no Brasil muitos chegam a confundir uma com a outra: o liberalismo e
o conservadorismo.
No
preâmbulo no capítulo 2 de seu livro, onde trata do liberalismo,
Koyzis trata das ideologias como uma espécie de idolatria (pois
extraem um elemento da criação divina e o transformam em uma
divindade segundo elas capaz de salvar os homens) e, como estas,
possuem um período de apogeu, chegando a parecer invencível para,
em seguida, entrarem em declínio e a perderem adeptos devido às
suas contradições internas e por não conseguirem cumprir suas
promessas, caminhando assim para a obsolescência.
Embora
considere o comunismo o melhor exemplo deste processo, ele também o
observa no liberalismo, cujas tensões internas provocam crises de fé
em seus postulados.
Apesar
destas crises e das mudanças que ocorreram, há uma crença básica
dentro desta ideologia que é a fé fundamental na soberania do
indivíduo. Porém esta crença levou a outras com suas próprias
incongruências, que levam alguns a abandonar o liberalismo e outros
a ajustá-las em um sistema mais amplo.
Um
exemplo destas mudanças está no fato de que os liberais de hoje são
bem diferentes dos liberais do século XVIII e XIX pois enquanto
aqueles viam o Estado como uma ameaça à liberdade, os de hoje
contam com o Estado para promoverem liberdades individuais.
São
estas tensões que o autor procura explorar no capítulo 2 de seu
livro.
Algumas
das bases do pensamento político americano: os direitos do homem, o
valor da liberdade e o caráter e a função do Estado são fruto do
pensamento liberal o qual, sem dúvida, foi responsável pela melhora
do status do indivíduo nos últimos séculos. Afinal, ninguém
questiona o acerto da proibição do trabalho escravo ou o direito
das pessoas de professarem a sua fé ou de de defenderem suas ideias
sem temer represálias oficiais.
Este
sucesso levou a uma hegemonia do sistema no ocidente. O autor cita o
escritor Alasdair MacIntyre que em sua obra Whose
Justice? Which Rationality?
afirma que o liberalismo monopoliza a maioria dos sistemas políticos
modernos e, por isso, o debate se dá entre liberais conservadores,
liberais liberais e liberais radicais. Nos EUA, tanto os atuais
liberais quanto seus rivais conservadores se originam da mesma raiz
liberal.
Na
Europa o termo liberalismo remete às ideias de John Locke
(1632-1704), Adam Smith (1723-1790), Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778) e Immanuel Kant (1724-1804). Suas ideias contribuíram
para a Revolução Americana, a Revolução Francesa e as revoluções
europeias de 1848. Os representantes mais recentes do liberalismo,
são Friedrich von Hayek (1899-1992), Milton Friedman (1912-2006),
Robert Nozick (1938-2002) e John Raws (1921-2002).
O
liberalismo parte da crença fundamental na autonomia humana, na
capacidade do homem de dirigir a si mesmo, de governar-se segundo
suas próprias leis.
Porém,
para um liberal, esta liberdade, não degeneraria em caos pois há um
limite no uso da liberdade individual que é a liberdade do outro,
visto que todos tem igual direito de se governarem de acordo com suas
próprias escolhas desde que estas não infrinjam o direito do outro
de fazer o mesmo. Se o fizer, deverá ser responsabilizado por isso.
Mas aí está o dilema liberal: apesar de ser contra a intervenção
estatal na vida do indivíduo, necessita de uma autoridade política
para responsabilizar e coibir um indivíduo que abuse de sua
liberdade contra o outro.
Embora,
do ponto de vista histórico, o liberalismo seja um fenômeno
relativamente recente, suas raízes remontam a Grécia clássica. Um
dos pioneiro a pensar o indivíduo além da pólis grega foi Epicuro
(341-270 d.C.) cuja filosofia tem algumas algumas semelhanças com os
primeiro liberais, especialmente Thomas Hobbes. Epicuro afirmava que
o ser humano é formado de átomos em constante movimento e que não
há vida após a morte. Ele e seus discípulos adotaram uma forma
primitiva de individualismo.
O
liberalismo, porém, surgiu nos séculos 17 e 18 no auge da revolução
científica e do programa cartesiano, baseado em modelos matemáticos.
Seguindo o pensamento cartesiano, o liberalismo procurou estudar a
sociedade a partir daquilo que ela é composta, isto é, os
indivíduos.
Para
os liberais, a humanidade possui certos direitos que se manifestam na
pessoa de cada indivíduo. Indo além, creem que os indivíduos são
soberanos e que são eles que determinam a forma de sua comunidade.
Embora alguns mais abertos, reconheçam a necessidade de uma
comunidade sadia para o bem-estar do indivíduo, ainda assim as
prerrogativas da sociedade estão subordinadas aos direitos do
indivíduo.
Em
seus primórdios, o liberalismo procurou apagar os vestígios do
feudalismo que ainda existiam na sociedade europeia como a
classificação de pessoas pelo status social, independente de seu
mérito. A meritocracia beneficiaria cada indivíduo e,
consequentemente, a sociedade.
Para
eles, os direitos individuais são anteriores à formação da
sociedade e do corpo político. A este período – histórico ou
não – chamam de estado
de natureza.
Segundo Thomas Hobbes em sua obra Leviatã,
este estado onde tudo era lícito e cada um poderia fazer o que
considerasse necessário para a sobrevivência era um estado de
guerra generalizada. Já Locke, tendia a ver o estado de natureza de
uma forma mais pacífica, mas mesmo assim, para ele a propriedade não
era plenamente desfrutada de forma segura e estável.
Para
os liberais, a comunidade civil substituiu o estado de natureza por
meio de uma promessa mútua. Esta teoria ganhou o nome de contrato
social.
Para eles, a única razão de existir do Estado é servir às
necessidades dos indivíduos.
A
partir deste ponto, o autor do livro começa a explanar as mudanças
que ocorreram no pensamento liberal ao longo do tempo. Segundo ele,
ao proporem incluir mais elementos ao escopo das liberdades do homem,
foram, passo a passo, ampliando também o papel do governo. Segundo
ele, este processo ocorreu em cinco estágios.
Segundo
Koysis, o primeiro estágio seria o da comunidade hobbesiana, o que
equivale às monarquias absolutas do início da era moderna. Para
Hobbes, o soberano está acima da lei e não sujeito à ela, enquanto
seus súditos devem temê-lo e sujeitar à ele, pois é preferível
seu governo do que o estado de natureza. Em comparação com o
pensamento atual, este estágio seria melhor classificado de
pré-liberal ou protoliberal.
No
estágio seguinte, o segundo, vemos a ampliação do direito
individual à autopreservação se ampliando para incluir também a
propriedade. É o estágio do Estado guarda-noturno.
A
ênfase na propriedade levou o liberalismo clássico à opção
preferencial pelo livre-mercado e sua aversão à intervenção
governamental.
Em
1776, Adam Smith publicou sua famosa obra A
riqueza das nações,
na qual expõe sua teoria econômica baseada na competição
individual, na divisão do trabalho, na desregulamentação do
mercado interno e no comércio internacional irrestrito. Estava
lançada as bases para o lado econômico do liberalismo, o
capitalismo.
Karl
Marx definiu o capitalismo como o estágio em que os meios de
produção se concentram nas mãos da burguesia e os trabalhadores –
chamados de proletariados – não passariam de mais uma mercadoria a
ser vendida no mercado.
Já
Max Weber, o vê como um espírito específico que leva seus adeptos
a focarem em seu trabalho a fim de multiplicarem seu capital,
evitando qualquer diversão consumista.
Por
sua vez, Goudzwaard define o capitalismo moderno como uma estrutura
social em que um grande número de forças sociais se combinam para
apoiar o crescimento econômico e o desenvolvimento tecnológico.
Porém,
em uma nota de rodapé na página 66, o autor cita que o teólogo
Harvey Cox defendeu que a devoção ao mercado é uma espécie de
religião semelhante em funcionamento às religiões tradicionais,
inclusive ao cristianismo.
Para
o autor, o capitalismo é, portanto, uma atividade econômica baseada
na autonomia humana, separada de sua dependência da atividade
criadora e redentora de Deus. Esta autonomia é vista como um
atributo do indivíduo, o que liga o capitalismo ao liberalismo.
Segundo
Adam Smith, ao buscar seu próprio interesse, o agente econômico é
levado por uma “mão invisível” a fazer o que melhor para a
sociedade, sem necessidade de interferência do Estado. Cabe a este
apenas proteger o direito individual de tomar decisões, por meio de
algumas regras amplas para reger as transações econômicas.
Embora
haja um forte compromisso com a igualdade no pensamento liberal, a
acumulação de bens como resultado da atividade econômica desiguala
as pessoas, o que levou diversos liberais a crises de fé durante a
Revolução Industrial.
Embora
a Revolução Industrial tenha, por meio da produção em massa, dado
acesso à população a uma grande quantidade de produtos a um baixo
custo, melhorando sua qualidade de vida, ela também tem um lado
sombrio pois ela, ao invés de erradicar a pobreza, apenas mudou as
suas características levando a uma grande parcela da população a
se sujeitar a extensas jornadas de trabalho a um salário irrisório
nas fábricas urbanas de grandes corporações.
Neste
ponto Koysis, aponta para um fator sempre desconsiderado pelos
ideólogos seculares: a influência deletéria do pecado,
comprometendo e inviabilizando seus projetos sociais de alcançarem
seu utópico destino. No caso do liberalismo, ele revela um paradoxo:
em tese, todos os homens são igualmente livres, mas ao exercerem
esta liberdade, tornam-se desiguais e ainda fazem uso desta liberdade
para tirar a liberdade – e os recursos – de outros.
Com
isso, diversos liberais compararam a competitividade econômica a um
jogo, onde o governo determina as regras, mas não o resultado. No
século 19, alguns pensadores tomaram o conceito evolucionista da
seleção natural e o aplicaram no âmbito econômico e liberal, uma
espécie de “darwinismo social”.
Tais
tensões levaram a vários adeptos do liberalismo nos séculos 19 e
20 a buscarem um outro rumo, surgindo assim o terceiro estágio, o
Estado
Regulatório.
Nesta fase, liberais tardios e socialistas propõe que o Estado é
autorizado a proteger a liberdade individual quando esta é ameaçada
por centros não estatais de poder. Nos EUA, um dos mais famosos
defensores deste papel do Estado foi o presidente Theodore Roosevelt
que se opunha ao que ele chamava de “baronato industrial”.
Mas
a busca por tentar minimizar as diferenças entre os indivíduos
continuou, vindo a seguir o quarto estágio: o Estado
da Igualdade de Oportunidades.
Esta
mudança foi proposta porque no liberalismo clássico, de intervenção
estatal mínima, pessoas originárias das camadas menos favorecidas
da sociedade não terão as mesmas oportunidades que outras pessoas
oriundas do topo da pirâmide social. Como afirma Koysis: “se a
vida é de fato um jogo, esses jogadores não estão sequer na mesma
divisão do campeonato”.
Por
isso, uma nova geração de liberais no início do século 20
defendeu o uso da razão e da ação do Estado para controlar
contingências econômicas, sendo seu principal nome teórico John
Maynard Keynes. Ele defendia a criação de vários programas para
facilitar a vida das empresas e combater o desemprego, o que
prevaleceu desde a Grande Depressão de 1930 até a primeira Crise do
Petróleo de 1973.
Assim,
enquanto liberais tardios nos EUA acabaram por adotar o Estado de
Bem-Estar Social para garantir maior igualdade econômica, no resto
do mundo, tais políticas foram adotadas por sociais-democratas.
A
incessante busca dos liberais por mais liberdade levou ao quinto
estágio: o do Estado
de Apoio à Escolha.
O
liberalismo nega a existência de um bem comum, mas sim um bem
determinado soberanamente por cada indivíduo. Por isso, o Estado não
deve jamais tentar julgar previamente as escolhas dos indivíduos.
Isto exige um Estado espiritualmente vazio, ou seja um Estado
que se abstenha de fazer uma legislação da moralidade.
Isto
leva o liberalismo do quinto estágio a um dilema. Ainda que o Estado
se abstenha de julgar a bondade das escolhas pessoais, não pode
ignorar as consequências desta livre escolha. Quando estes efeitos
indesejáveis ocorrem, ao invés de reconhecerem a utopia de seu
propósito, os liberais do quinto estágio apelam ainda mais ao
governo para que tente eliminar as consequências destas escolhas
individuais.
Por
exemplo, se as pessoas escolhem livremente o consumo de drogas, o
governo tem de criar um apolítica de redução de danos do consumo
fornecendo seringas descartáveis aos usuários e, se possível,
descriminalizando o consumo. Se as pessoas escolhem livremente terem
uma vida sexual ativa, mas não querem assumir a responsabilidade de
criar aos filhos advindos desta mesma atividade sexual, cabe ao
Estado prover meios para que possam praticar o aborto em segurança.
Como
bem analisa o autor: “em vez de convocar os cidadãos a assumir
suas responsabilidades em diversos contextos de comunidade, esse
estágio final do liberalismo exige que o governo subsidie o
comportamento irresponsável.”
Vê-se
que o liberalismo fracassa como teoria política, justamente por
oferecer uma visão de Estado como um promotor das vontades
individuais de uma sociedade, ao invés de um poder moderador dos
interesses diversos que compõe uma sociedade.
Uma
outra crítica que se faz ao liberalismo está em sua exigência de
que as religiões se restrinjam ao plano da convicção privada,
mantendo-se fora da vida pública.
Quando
o liberalismo restringe ou até mesmo abole a participação da
religião do espaço público, ele está na verdade criando uma
reserva de mercado para si próprio, pois como, afirma o autor, o
liberalismo é, ele próprio, uma religião idolátrica onde o homem
é entronizado como deus.
Para
corroborar sua visão, o autor cita David L. Schindler que em seu
livro Heart
of the World,
afirma que “o liberalismo é permeado de um espírito cuja lógica
é contrária ao testemunho cristão público e cujo individualismo é
difícil de conter dentro de limites normativos”.
Além
disso, o liberalismo demonstra dificuldades com o fato de que os
seres humanos foram criados para a vida em comunidade e que isto gera
obrigações legítimas para além de acordos voluntários.
O
autor conclui sua análise do liberalismo apontando como esta
ideologia fracassa duplamente, primeiro em tentar oferecer uma falsa
salvação baseada na crença na autonomia indivíduo e em se recusar
a ver o Estado como uma comunidade dotada de autoridade que não pode
ser reduzido ao simples consenso voluntário de indivíduos.
CONSERVADORISMO
“Meu
tempo é hoje. Não vivo no passado, o passado vive em mim”
Paulinho
da Viola
No
capítulo a seguir Koysis passa a analisar algo que talvez fosse
melhor descrito como um fenômeno do que uma ideologia: o
conservadorismo.
Como
ele mesmo coloca, o conservadorismo não é, em si mesmo, uma
ideologia unificada ou uma postura doutrinária identificável pois
enquanto o liberalismo e o socialismo deificam, respectivamente, o
homem e a classe econômica, o conservadorismo se comporta mais como
uma tendência presente dentro das ideologias.
Apesar
disto o autor afirma com firmeza que o conservadorismo apresenta,
sim, características que permitem classificá-lo como uma ideologia.
Conservar
significa preservar alguma coisa, enfrentar forças que tendem a
eliminar esta coisa com o passar do tempo. O conservador age assim
pois considera que as mudanças levam a inevitáveis perdas de coisas
boas que não podem ser substituídas.
Porém,
Koysis alerta para o fato de que esta “melancolia” pode ser
consequência da perda de poder e de privilégios fruto da erosão de
um sistema político ou econômico. Ele, inclusive, cita Marx e
Mannheim, para quem todas as ideologias são conservadoras e tentam
preservar as relações de poder existentes. Por isso, muitos
observadores tendem a examinar argumentos conservadores com uma certa
dose de suspeita, mas isso pode não passar de uma estratégia para
não se esforçar em lidar com o argumento que podem ter alguma
legitimidade. Ao invés de analisar a questão levantada,
desqualifica-se a intenção do questionador, taxando-a de um
saudosismo de quem perdeu ou pode perder poder ou privilégios frente
a uma nova realidade.
Porém,
o que torna o conservadorismo difícil de ser estudado é o fato de
que seu conteúdo, ou seja, o que pretende conservar, varia
dependendo da época e do lugar. Mas, mesmo assim, é uma corrente
intelectual independente digna de reflexão.
Embora
não esteja longe da verdade reconhecer o conservadorismo como um
fenômeno historicista, sem uma cosmovisão coerente tampouco um
programa de ação política, esta ainda é uma definição
simplista.
O
que torna alguém um conservador é a forma como este lida com a
tradição e com as mudanças pois os conservadores percebem com
clareza a fragilidade dos empreendimentos humanos. Também percebem a
tendência de boas ideias degenerarem para o mal e para o caos. O
autor, neste ponto, lembra que esta tendência é bem conhecida pelos
cristãos que a chamam de “pecado original”.
Conservadores
portanto, desconfiam de utopias, aliando-se aos realistas e tendem a
valorizar as pequenas ações que valorizem a comunidade.
Contudo,
o conservador não nega as imperfeições da sociedade, porém,
segundo ele, se um certo costume ou prática social tem funcionado
relativamente bem, cabe ao reformista provar que a mudança proposta
de fato, levará a um avanço tal que compense eventuais efeitos
colaterais de sua aplicação. Caso contrário, o conservador
defenderá a permanência da prática consolidada.
O
autor, visto ser canadense, tende a identificar o conservador típico
de acordo com a realidade político-social de seu país, quando muito
de seu vizinho abaixo, os Estados Unidos. Por isso ele, na página 93
de seu livro, afirma que “um dos motivos pelos quais os
conservadores favorecerem a autonomia local ou regional contra um
governo nacional supercentralizado é que o
nível local é mais apropriado para testar novas propostas”. Se o
autor em questão fosse brasileiro e tomasse como referência nossa
história e sociedade, provavelmente sua conclusão a respeito das
preferências conservadores fosse diametralmente oposta no tocante a
descentralização política.
Enquanto
um revolucionário tende a concluir que não há nada que se possa
aproveitar acerca das instituições e costumes da sociedade a que se
propõe reformar, um conservador rejeita tal conclusão por ser
pessimista demais acerca do presente e otimista demais acerca da
capacidade humana de construir uma sociedade ideal.
Deixando
ainda mais claro, no ocidente o conservador se contrapõe tanto ao
liberalismo quanto ao socialismo pois reconhece as limitações da
razão humana, por exemplo, rejeitando as atuais propostas
igualitárias de rearranjar a instituição do casamento. Um
conservador dá grande valor a tradição pois esta representa a
experiência acumulada e a sabedoria de gerações passadas.
Por
tudo isto, um conservador tende a ter um caráter mais nacionalista
do que cosmopolita, especialmente se o conceito de nação estiver
ligado a tradições locais ameaçadas por entidades políticas mais
amplas.
Mais
uma vez citando a realidade norte-americana, Koysis, chama a atenção
para a tenção existente entre o conservadorismo tradicional
(pró-família e pró-vida) e o libertarianismo (monetaristas e
pró-mercado) que coexistem dentro do conservadorismo dos EUA.
Na
prática, o conservadorismo americano está calcado em bases liberais
pois os EUA não vivenciaram como país o feudalismo, a aristocracia
ou a monarquia. Foi um país que nasceu sob a hégide do iluminismo,
restando aos seus conservadores apenas as instituições família a
casamento como pré-liberais a serem defendidas.
Portanto,
os conservadores americanos ao mesmo tempo em que se mantém fiéis
aos princípios básicos do liberalismo tentam combater o que
consideram efeitos deletérios de certas políticas liberais. Mas o
autor considera que qualquer vitória que o conservadorismo possa vir
a ter tende a ser temporária pois não possuem um fundamento
suficientemente firme.
A
falta de um fundamento sólido fica mais claro a seguir quando o
autor procura expor a complexidade da questão da defesa da tradição.
Qual tradição?
Segundo
ele, a tradição, para ser viva, tem de desempenhar um papel
importante na vida de quem a segue, senão torna-se em
tradicionalismo, isto é, uma adesão automática e acrítica a
ideias e prática que não fazem mais sentido.
Por
exemplo, tanto os reformadores quanto seus críticos da Igreja
católica poderiam argumentar que buscavam preservar a tradições
cristãs distintas e, portanto, poderiam acusar um ao outro de
promotores de inovações indevidas. Ambos estavam certos pois
enquanto reformadores buscavam resgatar a tradição da Igreja
Bíblica e Primitiva, católicos buscavam manter a tradição milenar
da igreja institucionalizada.
Ou
seja, tradições existem em camadas temporais, fato este que
conservadores tendem a se esquecer.
O
grande perigo do conservadorismo está no fato de que ele pode
facilmente se tornar romântico, isto é, tentar reconstruir um
passado ideal que nunca existiu. Conservadores pró monarquia, por
exemplo, ao romantizar a relação entre reis, nobreza e plebe,
tendem a esquecer que estas classes muitas vezes entraram em conflito
entre si.
Ao
não conseguirem chegar a um consenso sobre qual tradição
preservar, os conservadores mostram que são incapazes de formular um
critério universalmente aceitável, para definir o que deve ser
preservado ou descartado.
Além
disso, conservadores tem dificuldade de reconhecer que Deus fez a
criação dinâmica, isto é, passível de mudança e
desenvolvimento, portanto, tais características não são defeitos a
serem evitados a todo custo. Porém, como enfatiza o autor, o
conservador não está errado em recomendar cautela nas avaliações
de propostas concretas
de mudança (grifo do autor).
Um
ponto positivo do conservadorismo é seu caráter apologético.
Sua consciência da finitude e da falibilidade humana em prol da
melhoria social desmascaram as pretensões gnósticas de elites –
seja mais à direita, seja mais à esquerda do espectro
político-ideológico – que se julgam mais esclarecidas do que o
povo a quem procuram governar.
Muito
do que temos hoje é fruto de tradições herdadas e aprovadas pelo
uso, tais como roupas, talheres, universidades e orquestras, porém
outras tradições podem e devem ser questionadas como a segregação
racial e a discriminação da mulher no mercado de trabalho.
Inclusive, tais tradições negativas podem ser contestadas inclusive
por outras tradições maiores e mais profundas como, por exemplo,
raízes cristãs e princípios constitucionais.
Koysis,
afirma que se quisermos compreender a natureza da política sob uma
perspectiva cristã, “temos de olhar para além de nossas
tradições” pois estas são falíveis, posto que humanas.
Apesar
disto, no ocidente muitos conservadores são cristãos. O primeiro
motivo é porque creem que os ensinamentos do cristianismo são
verdadeiros. O segundo motivo é porque faz parte do legado cultural
do Ocidente. Porém, para conservadores pautados apenas por este
segundo motivo, o cristianismo é apenas uma entre várias tradições
que juntas constituem a cultura ocidental e não uma verdade de fé.
Porém
o próprio cristianismo é uma religião calcada na recepção,
transmissão e preservação de uma Grande Tradição, tanto escrita
quanto oral, tradição essa que vai além da sabedoria humana
transmitida de geração a geração mas que remonta a Palavra de
Deus revelada aos profetas e apóstolos. Embora a maioria dos
cristãos afirmem que o cristianismo bíblico tem a ver com todos os
aspectos da vida humana, entre seus postulados de fé não se
encontram a fé na democracia, monarquia, socialismo ou capitalismo.
Voltando
a questão conservadorismo x liberalismo, é importante ressaltar que
estas duas ideologias não são nem incompatíveis, nem correlatas
entre si. Na verdade, a antítese do conservadorismo seria não o
liberalismo, mas sim o progressismo.
Diferente
do revolucionário, o reformista reconhece a validade de se construir
algo novo sob as bases da tradição recebida, mas o conservador
também neste caso, apela para a cautela, visto que não há, de
fato, garantia de continuidade, nem certeza de progresso.
O
que conservadores tendem a desconsiderar é que aquilo que aprovam
hoje como tradicional já foi visto e criticado em sua época como
inovador e controverso, seja na música e até mesmo na teologia, com
foram os casos da música barroca e da teologia de Tomás de Aquino,
criticadas pelos conservadores de sua época.
Neste
ponto, o autor deixa claro seu ponto de vista de que o cristão deve
ter discernimento pois “o progresso e a preservação caminham lado
a lado” e alerta que se ater a apenas um destes elementos seria
“cair num tipo de idolatria”. Mais importante do que o ritmo da
mudança é refletir acerca de sua direção.
Como
possível teoria cristã o conservadorismo falha em não ser, de
fato, intrinsecamente cristão e também por não oferecer uma visão
coerente de Estado dentro da sociedade humana, de seu papel na
criação de Deus.
Concluindo,
vivemos em nosso país um período de efervescência
político-ideológica ocasionadas pela ascensão e queda do projeto
petista de poder o qual tem trazido para o debate público, seja na
imprensa, seja nas redes sociais, representantes dos mais variados
matizes ideológicos: defensores ardorosos do socialismo, do
liberalismo e do conservadorismo claramente se veem representados.
O
mais assustador disto é perceber entre estes apaixonados muitos
cristãos os quais sem perceber, segundo Koysis, estão participando
ativamente de uma estrutura idólatra onde o centro do culto não é
Deus, mas o homem, o capital ou o Estado-nação.