"Give us Barabbas" - Illustrations from volume 9 of The Bible and its Story Taught by One Thousand Picture Lessons, edited by Charles F. Horne and Julius A. Bewer, published in 1910.
Quando
Jesus nasceu, Israel não era mais Israel. Era chamada agora pelos
conquistadores romanos de Palestina, fatiada em diversas regiões
administrativas controladas por fantoches de Roma como os Herodes
(Antipas na Galileia e Filipe na Idumeia) e por um representante
direto de Roma na Judeia, o governador Pôncio Pilatos.
Esta
dominação ocorreu após o esfacelamento da dinastia dos Hasmoneus,
o último governo judaico após as guerras judaicas de libertação
contra o império selêucida (que impusera a helenização forçada
dos judeus) deflagrada pelos Macabeus. Mas este breve período de
governo judaico careceu de legitimidade junto ao povo, visto que a
dinastia hasmoneu não era de origem davídica e sem o sumo-sacerdote
era de origem aarônica.
Este
vácuo político religioso somado à ocupação e opressão
estrangeira levou ao povo judeu a ansiar pela vinda do Messias, mas
não daquele descrito pelo profeta Isaías no capítulo 53 de seu
livro como o servo sofredor, mas um messias político, guerreiro que
libertasse o povo de seus inimigos externos.
Mas
alguns judeus se cansaram de esperar pelo Messias e resolveram agir.
Surgiram os zelotes – guerrilheiros para os judeus, terroristas
para os romanos – que por meio de emboscadas e ataques surpresa,
lutavam sem sucesso contra a ocupação romana.
Então
veio Jesus. Mas sua mensagem não era o que se esperava: não veio
falar de uma libertação de um inimigo externo, mas sim de um
interno, o pecado: “arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc
1.15) era sua mensagem. Pior ainda sua mensagem era claramente
pacifista: “Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra;
e ao que te houver tirado a capa, não lhe negues também a túnica.”
(Lc 6.19. Seu desapego por questões políticas era tanto que não
questionou o pagamento de tributo ao império pagão e opressor: “dai
pois a César o que é de César” (Lc 20.25). Para que não
restasse nenhuma dúvida, deixou claro à Pilatos que seu reino –
sim Jesus é um Rei – não tem conotação política - “meu reino
não é deste mundo” (Jo 18.36).
De
fato, Jesus era um messias diferente daquele que os judeus tanto
esperavam em seu imaginário. Eles queriam alguém que resolvesse
logo a situação, que com um único golpe de espada mágico
expulsasse os inimigos do povo, da Lei e de Jeová. Um líder
guerreiro de braço forte, como havia sido Davi, afinal, o Messias
não seria filho de Davi?
Então
Pilatos propôs uma eleição direta ao povo de Jerusalém:
“Ora,
no dia da festa costumava soltar-lhes um preso qualquer que eles
pedissem.
E havia um chamado Barrabás, que, preso com outros
amotinado- res, tinha num motim cometido uma morte.
E a
multidão, dando gritos, começou a pedir que fizesse como sempre
lhes tinha feito.
E Pilatos lhes respondeu, dizendo: Quereis que
vos solte o Rei dos Judeus?
Porque ele bem sabia que por inveja
os principais dos sacerdotes o tinham entregado.
Mas os
principais dos sacerdotes incitaram a multidão para que fosse solto
antes Barrabás.
E Pilatos, respondendo, lhes disse outra vez:
Que quereis, pois, que faça daquele a quem chamais Rei dos Judeus?
E
eles tornaram a clamar: Crucifica-o.”
Marcos
15:6-13
Para
a multidão, a mensagem de Jesus de amor ao próximo, perdão ao
inimigo, de diálogo e reconciliação com párias de seu tempo
(leprosos, publicanos corruptos e samaritanos) era um escândalo para
o povo, assim como sua denúncia da espiritualidade vazia era um
perigo para os líderes religiosos de seu tempo. Para estes, Jesus
era um fraco, alguém que só tinha palavras a oferecer; nos dias de
hoje diriam que era só “mimimi”.
Então
o povo votou na única escolha lógica e racional. Tempos extremos
exigem medidas extremas. Escolheram a Barrabás, o homem da espada.
Barrabás
foi varrido para o limbo da história. Fora da Bíblia, ele não
existe. Sua liderança política contra os romanos se mostrou um
engodo. Mas os judeus não desistiram de conquistar sua libertação
à força pois Deus estaria com eles, afinal, eram o povo escolhido.
De fato, décadas depois eclodiu uma nova revolta judaica. Mas no ano
70 d.C. o general Tito de Roma invadiu uma Jerusalém já
enfraquecida por disputas internas entre os diversos grupos de
rebeldes judeus, cada um com seu próprio messias. Um banho de sangue
varreu as ruas da cidade. O templo foi destruído e nunca mais
reerguido. O povo judeu, mais uma vez espalhado pelo mundo.
Enquanto
isso, os seguidores do Messias rejeitado, crucificado e ressuscitado,
também se espalhavam pelo mundo conquistando-o não pela força da
espada, mas pela força do mesmo discurso de seu Mestre:
“arrependei-vos e crede no evangelho”.
Em
nosso país e no mundo vemos um fenômeno político em pleno
desenvolvimento: neste mundo pós-moderno, a crise de credibilidade
das instituições (governos, partidos, mídia e até mesmo igrejas)
tem levado a muitos a rejeitar os princípios básicos da democracia
e a sonharem com líderes que resolvam seus problemas com uma
“canetada” só. Não é à toa que líderes autocráticos como
Putin, Erdogan, Chávez, Trump têm se levantado no mundo. Também
não é a primeira vez que isto acontece. Na primeira metade do
século XX outros se levantaram: Franco, Mussolini, Stalin e, Hitler.
O resultado todos nós conhecemos.
Porém,
há uma diferença entre os líderes populistas de hoje e os do
passado. Os de hoje, todos eles, chegaram ao poder legitima e
democraticamente eleitos pelo voto popular. Depois de eleitos,
elaboram mecanismos para enfraquecerem ou subordinarem os outros
entes da República (Legislativo e Judiciário) além de se colocarem
em guerra aberta contra um importante representante da sociedade
civil: a imprensa livre. Para que seus planos de perpetuação do
poder se concretizem é também necessário uma legião de adoradores
no meio do povo que os defendam contra tudo e contra todos e uma
oposição amordaçada que não consiga denunciar seus desmandos.
O
populismo não é de direita nem de esquerda, ele é essencialmente
idólatra, voltado para a adoração cega e acrítica de um líder
como o salvador da pátria, o redentor da nação, ou seja, estamos
falando de um tipo de anticristo. Alguém que tenta trazer para si
atributos que somente devem pertencer a uma única pessoa em toda a
História.
No
Brasil, vemos isto se repetindo inúmeras vezes ao longo de nossa
história: Getúlio Vargas, o pai dos pobres. Jânio Quadros, o
não-polítoco contra a corrupção, Fernando Collor, o caçador de
Marajás. Lula, o novo Pai dos pobres. Jair Bolsonaro, o mito.
Jair
Messias Bolsonaro tem seduzido a uma grande parcela da população
brasileira, especialmente entre evangélicos com seu discurso
conservador contra uma onda liberalizante que tem varrido nosso país
de forma deliberada e organizada à qual fazem parte partidos
políticos, empresas de mídia e meio acadêmico.
Esta
onda é real e é justificável o receio que ela tem causado nas
famílias e igrejas. Bolsonaro encarnou para estas pessoas a solução
fácil para um problema complexo. A questão é o preço a se pagar
por esta solução. E sempre há um preço. Junto com seu discurso
conservador há outro discurso que é comprado junto e que nunca fez
parte das aspirações da comunidade evangélica brasileira:
enfraquecimento das instituições democráticas, valorização do
uso da violência e da força – não apenas policial mas também
dos “cidadãos de bem” - contra a criminalidade, o uso do deboche
e do escárnio contra grupos com os quais não se simpatiza, tais
como mulheres, quilombolas, etc.
Por
que este fenômeno acontece? A igreja está com medo e acovardada.
Uma igreja que não ora mais, que não evangeliza mais, que não
proclama mais o evangelho da salvação custe o que custar e que
ficou confortável em seu ambiente social está vendo o mundo à sua
volta se transformar e crescer contra ela. Uma sociedade que no passado era cristã, hoje se trona pós-cristã e até mesmo anti-cristã. Mas Cristo havia dito que nos enviaria como ovelhas no
meio de lobos, porém a igreja moderna parece não acreditar mais que o bom pastor a
protegerá, então parece estar querendo contratar um segurança para afugentar os
lobos.
Uma
igreja que embora tenha crescido na sociedade brasileira não se fez
relevante nesta mesma sociedade e, por isso, tem medo de um
plebiscito acerca do aborto, pois não sabe o como a sociedade se
posicionará acerca desta questão. Esta igreja está tão consciente
que não fez o suficiente para esclarecer as pessoas sobre a
monstruosidade que é o aborto que chega ao ponto de confundir ser à
favor do plebiscito com ser à favor do aborto em si. Esta igreja tem
medo que o povo brasileiro diga sim, por isso sonha com um líder que
autoritariamente diga não por ela.
Mas
isto em si mesmo, embora triste não é o real problema.
Bolsonaro
também não é o problema. Na verdade, não há problema algum em
cristãos darem à ele um voto de confiança por acreditarem que ele
seja o melhor candidato para o atual momento do país. O problema é
ver cristãos praticando idolatria.
O
Salmo 115.8 afirma que idólatras tornam-se semelhantes aos seus
ídolos. Por isso, fiquei realmente assustado e triste ao ver pessoas
que se identificam como cristãos fazendo uma campanha apaixonada,
agressiva e até mesmo debochada do candidato Jair Bolsonaro.
Ironicamente,
Bolsonaro, o candidato que nestas eleições melhor representa o
messianismo político, tem Messias como seu nome do meio. Alguns
deles chegaram até mesmo a afirmar que “Bolsonaro é o messias que
salvará o país”. Isto sim, é preocupante.
Creio
firmemente que um cristão com seus olhos fitos em Cristo participa
de um processo eleitoral de forma crítica e desapaixonada, pois sabe
que a verdadeira solução para os problemas deste país não virá
de mãos humanas mas por meio de uma verdadeira conversão de nosso
povo a Cristo, por meio do arrependimento dos pecados e da busca por
se viver segundo os padrões do Reino. Este país não mudará de
cima para baixo, mas de dentro para fora. Mas para que isto aconteça,
para que o aborto se torne em uma lembrança amarga do passado. Para
que, nossos presídios fiquem vazios por que crimes não são mas
cometidos, para que a mulher, o negro e o pobre tenham o
reconhecimento e o tratamento digno a que tem direito, é preciso que
a Igreja saia de sua letargia e pregue, propagandeie o verdeiro
Messias que irá redimir esta nação corrompida pelo pecado. E isto
é nossa missão como igreja mas, como diz Paulo: “Como, pois,
invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem
não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue?” Rm 10.14
É
fundamental que a igreja brasileira perca seu medo, pois este além
de ser um péssimo conselheiro é inimigo da fé. É fundamental que
ela entenda que é uma minoria, aprisco de ovelhas em meio a lobos,
embaixadora de um Reino vindouro que não é este e proclamadora de
que ele está às portas.
Mas
para isso é necessário que façamos as escolhas certas e não estou
falando das próximas eleições.
Quando
entregamos nosso coração e nossas esperanças a um outro messias
que não o verdadeiro e único, estamos também trocando os
princípios e valores do Reino por outros princípios e valores que,
por mais parecidos que sejam, não são iguais. Isto é válido para
qualquer cristão que idolatre ideologias, sejam elas de direita ou
de esquerda. Quando a igreja se identifica com uma ideologia humana,
ela automaticamente deixas de interpretar o mundo à luz do evangelho
de Cristo para interpretá-lo à luz de Karl Marx, Adam Smith, Simone
de Beauvoir ou mesmo Adolph Hitler. Deus exige exclusividade. Para um
verdadeiro cristão, bandido bom não é bandido morto, tampouco o
bandido é uma pobre vítima da sociedade. Um bandido, tal qual o que
foi crucificado ao lado de nosso Senhor, é um pecador que, como cada
um de nós, precisa desesperadamente de um encontro com Cristo e ter
sua vida transformada.
O
Israel do passado desprezou a Jesus por não se parecer com o padrão
messiânico que eles imaginavam e então escolheram a Barrabás. A
pergunta que me faço hoje olhando para a igreja brasileira de hoje
é: será que nós, no lugar deles, escolheríamos diferente?
“Portanto,
também nós, considerando que estamos rodeados por tão grande nuvem
de testemunhas, desembaracemo-nos de tudo o que nos atrapalha e do
pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que
nos está proposta, olhando
fixamente para o Autor e Consumador da fé: Jesus, o qual, por causa
do júbilo que lhe fora proposto, suportou a cruz, desprezando a
vergonha, e assentou-se à direita do trono de Deus.” Hb
12.1,2