domingo, 7 de abril de 2013

Marco Wyllys ou Jean Feliciano?



Levei um bom tempo antes de meter a minha colher neste imbróglio envolvendo Marco Feliciano, Jean Wyllys e a Comissão de Diretos Humanos da Câmara dos Deputados.
Vamos primeiro aos fatos: Na partilha que ocorre dentro do regimento interno da Câmara, coube ao PSC indicar um nome para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM). Indicaram o nome do deputado Marco Feliciano. Colocado em votação, seu nome foi aprovado.

Quais são as atribuições da Comissão de Direitos Humanos e Minorias?

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) é uma das 20 comissões permanentes da Câmara dos Deputados, onde atua como órgão técnico constituído por 18 deputados membros e igual número de suplentes, apoiada por um grupo de assessores e servidores administrativos.
Suas atribuições constitucionais e regimentais são receber, avaliar e investigar denúncias de violações de direitos humanos; discutir e votar propostas legislativas relativas à sua área temática; fiscalizar e acompanhar a execução de programas governamentais do setor; colaborar com entidades não-governamentais; realizar pesquisas e estudos relativos à situação dos direitos humanos no Brasil e no mundo, inclusive para efeito de divulgação pública e fornecimento de subsídios para as demais Comissões da Casa; além de cuidar dos assuntos referentes às minorias étnicas e sociais, especialmente aos índios e às comunidades indígenas, a preservação e proteção das culturas populares e étnicas do País.

Porém, ato contínuo a nomeação de Feliciano, irados protestos eclodiram na própria Comissão e em diversos setores da sociedade se manifestaram contra a nomeação do deputado Marco Feliciano. Desde o início dos protestos, muitos dos quais obstruindo as sessões na Comissão, se projetou o nome do também deputado Jean Wyllys.

Mas qual a razão de tanto celeuma?

A Comissão de Comissão e Justiça da Câmara dos depurados era presidida e tinha a maioria de seus integrantes deputados que compartilhavam da mesma visão para esta área: a defesa do aborto com um direito da mulher, a descriminalização e a liberação do consumo de drogas como uma ação de redução de danos e a defesa dos interesses dos grupos GLBT organizados.

O deputado Marco Feliciano apesar de membro ativo da referida comissão com diversas proposições efetuadas, não comunga com a visão acima. Pior ainda: é um pastor evangélico e como tal, visto como um adversário e não como um colega na defesa dos direitos humanos.

O que parecia ser um típico caso de preconceito contra evangélicos ganhou novo contornos quando foram divulgadas postagens do deputado e pastor Marco Feliciano na rede social Twitter interpretados como racistas e homofóbicos. Seguem abaixo alguns deles:

Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isto é fato. O motivo da maldição é a polêmica. Não sejam irresponsáveis twitters rss.”

Qdo falei este assunto aqui, os ativistas gays quase me lincharam. Qdo associei AIDS à homossexualidade fui duramente confrontado.”

os artistas são a favor do casamento gay; os intelectuais também são. Resta aos cristãos e conservadores de valores morais lutarem.”

E piorou mais ainda com a divulgação de vídeos onde o pastor reclama de um fiel que doou o cartão de crédito sem a senha:

É a última vez que eu falo. Samuel de Souza doou o cartão, mas não doou a senha. Aí não vale. Depois vai pedir o milagre pra Deus e Deus não vai dar e vai falar que Deus é ruim.”

A repercussão de seus comentários levou a diversas personalidades a se manifestarem a respeito da inconvenciência de Marco Feliciano como presidente da CDHM:


"É algo que se insere no âmbito do Congresso Nacional, mas que, com toda a evidência, não se trata de uma indicação adequada. Acho que o próprio partido deve perceber que há pessoas mais vocacionadas para esse trabalho." Roberto Gurgel, procurador-geral da República,


O pastor Feliciano jamais poderia assumir a Comissão de Direitos Humanos. Ele é despreparado e não tem os princípios básicos que essa comissão precisa. Ele não tem condições mesmo. Eu não gosto quando a questão fica religiosa, ela é uma discussão de cultura de direitos humanos, coisa que o deputado não tem. Não interessa se ele é evangélico” Marina Silva, ex-senadora e ex-ministra do meio ambiente.

Ele se antagonizou com o Brasil porque expressou pelo Twitter e, depois, num culto, opiniões sobre a questão dos negros. Disse que são descendentes da parte amaldiçoada dos filhos de Noé, os filhos de Cam. É interessante observar ele não criou nada ao fazer tais afirmações. Essa teologia é muito antiga, muito anterior a ele, persistindo até hoje em alguns poucos segmentos fundamentalistas. Ela tem origem entre os colonialistas, que dividiam o mundo em três áreas – o ocidente, o oriente e o sul. Nesta última teriam ficado os possíveis descendentes do personagem bíblico, os amaldiçoados.” Ricardo Gondim, pastor da igreja Assembleias de Deus Betesda e escritor.

Porém, não apenas Marco Feliciano tem feito uso duvidoso das redes sociais. O deputado Jean Wyllys tem postado comentários tão preconceituosos quanto, porém direcionados a cristãos:

Confesso que o mais difícil, nos tweets dos fundamentalistas, é ter de ler a redação típica de um analfabeto funcional… É dose!”

Eu mereço essa gente que dissemina ódio aos homossexuais e às religiões de matriz africana e que não quer oposição a essa estupidez?”

Chama a atenção que os tweets de Feliciano ganharam a grande imprensa, enquanto os de Wyllys se restringiram à imprensa online evangélica. Jornalismo tendencioso dos grande órgãos de imprensa?

Uma outra questão não dita mas presente subliminarmente é a crença de que a Comissão de Direitos Humanos não é um espaço para diálogo e discussão plural mas sim, uma plataforma para imposição ao restante do Congresso de pensamento único e totalitário, sem espaço para outras visões a respeito do mesmo problema.

Resumindo: na opinião deste segmento, somente pode participar e presidir a comissão quem pensa rigorosamente igual a eles. E este totalitarismo ficou patente na forma como protestaram contra a presidência de Feliciano, literalmente impedindo as seções.

O jornalista Alexandre Garcia toca o dedo nesta ferida em seu programa de rádio:
Se ele é acusado de opinião, então é de supor que aqui no Brasil exista crime de opinião, e não existe. Ele não pode ser acusado de opinião, porque a opinião é livre e protegida pela Constituição.”

Já o ministro do STF Joaquim Barbosa expressou sua opinião:
"O deputado Marco Feliciano foi eleito pelos seus pares para assumir um determinado cargo dentro do Congresso Nacional, na Câmara. Os deputados assim o fizeram porque está prevista regimentalmente essa possibilidade. A sociedade tem também o direito de se exprimir, como vem se exprimindo, contrariamente à presença dele neste cargo. Isso é democracia".

Resumindo: os grupos ditos progressistas querem a renúncia de Feliciano não pelo o que ele disse no Twitter, mas por suas ideias conservadoras. Eles sabem que com ele na presidência, muitas de suas proposições podem ir para a fundo da gaveta da Comissão e temem a ideia de Feliciano de por a questão do casamento gay e da descriminalização do aborto em votação plebiscitária pois, no fundo, sabem que a sociedade brasileira é progressista da boca pra fora e conservadora no seu íntimo. Na verdade, Marco Feliciano já começou a fazer isso. No link abaixo podem ser conferidas no site da Câmara dos Deputados as proposições feitas por Feliciano, muitas delas feitas meses antes de assumir a presidência da CDHM:

Portanto, o que está em jogo é disputa por poder dentro de uma comissão onde um grupo perdeu a hegemonia e não poderá mais impor seu ponto de vista acerca dos diretos humanos sobre o outro, muito menos sobre o Congresso. Claro, o risco é que o novo grupo hegemônico faça a mesma coisa.

O resultado disto é o acirramento de ânimos de ambos os lados, com um lado querendo a renúncia de seu deputado desafeto por “crime de opinião”. Jean Wyllys e Marco Felicianmo são pintados ao mesmo tempo como monstros e mártires.

Mas quem são Marco Feliciano e Jean Wyllys e como se tornaram deputados federais, membros do Congresso Brasileiro?

Marco Feliciano começou sua meteórica carreira como um entre tantos pregadores pentecostais. Membro da igreja Assembleia de Deus, graças ao seu estilo eloquente e emocional, ganhou grande e rápida popularidade e era convidado a pregar em eventos religiosos de todo o país. Em pouco tempo já havia sido consagrado ao pastorado em uma igreja local.

Ao alcançar o sucesso dentro de seu meio, Feliciano começou a mudar o visual, buscando uma aparência mais moderna e menos convencional que caracterizam os pregadores pentecostais, geralmente bastante sóbrios.

Logo Feliciano fundou sua própria igreja – Assembleia de Deus Catedral do Avivamento, lançou Cd's como cantor e criou seu próprio currículo de revistas de Escola Dominical – investimentos estes que aparentemente não obtiveram grande aceitação no mercado.
Mas estes fatos, especialmente sua mudança visual, geraram rejeições em seu público e os convites para pregações começaram a rarear. Nesta época, ele chegou a gravar um vídeo pedindo para ser convidado a pregar.

Após isto, Feliciano fez o que muitas celebridades fazem quando chegam ao ostracismo: se candidatam a um cargo eletivo na esperança de que seus fãs os ajudem a serem eleitos.

Marco Feliciano foi bem sucedido em sua empreitada. Foi eleito com expressivos 211.855 votos em São Paulo.

Jean Wyllys era professor universitário na Bahia e alcançou a fama instantânea quando participou – e ganhou com expressiva votação (na casa dos milhões) – uma das edições do discutível reality show Big Brother Brasil no melhor estilo Davi contra Golias. Naquela edição, o pequeno e franzino baiano era sistematicamente enviado ao paredão pelo grupo dos rapazes e moças sarados e descerebrados que caracterizam o programa. E a cada vez ele voltava mais forte derrotando um a um, pois o público vê o o reality Show como uma novela e nelas, sempre torce pelo mais fraco e mais perseguido.

O tempo passou, Jean lançou um livro de memórias, e depois caiu no ostracismo. Foi candidato a deputado federal pelo PSOL mas não conseguiu o número mínimo de votos
para se eleger, apenas 13.018 votos.

Mas conseguiu a vaga no Congresso Nacional graças ao recurso do voto na legenda. Graças a lei eleitoral, o PSOL pode transferir votos “excedentes” da legenda os candidatos de seu partido – entre eles Jean Wyllys – e assim, “furar a fila” colocando-os à frente de outros candidatos mais votados do que eles.

De certa forma a história se repete. Do alto de seus votos e de seu visual metrossexual, Feliciano entrou pela porta da frente do Congresso enquanto Wyllys, metaforicamente, entrou pela porta dos fundos, empurrado pelos votos de sua legenda. Mas a batalha midiática está sendo ganha por Jean Wyllys por larga vantagem: mais equilibrado em seus comentários ena defesa de seu ideário, ele como fruto da mídia de massa sempre contou com seu apoio, mesmo antes da polêmica da CDHM. Já Marco Feliciano somente ganha os holofotes quando escreve ou fala alguma coisa polêmica que o coloca em dificuldades ainda maiores. E ele é pródigo em fazer isso.

Por trás de toda esta polêmica, Marco Feliciano e Jean Wyllys, duas celebridades midiáticas que chegaram ao Planalto sem nenhum passado de atividade política, são exemplos de como nosso sistema eleitoral e a própria consciência política da população estão em níveis perigosamente baixos. Embora em campos ideológicos opostos, eles são mais parecidos do que eles próprios e seus eleitorados gostariam de admitir.

Marco Feliciano acerta quando afirma que o fato de ser um pastor não o desqualifica para a CDHM. Ainda mais quando lembra a grande contribuição para a causa dos Direitos Humanos de outros pastores, como o bispo anglicano Desmond Tutu da África do Sul e o pastor batista americano Martin Luther King.

Infelizmente, Marco Feliciano está à léguas de distância da envergadura moral e intelectual destes dois gigantes da fé.

A jornalista Míriam Leitão percebeu isto:

As novas denominações religiosas evangélicas, pentecostais ou não, têm níveis de formação diferenciados com mais ou menos teoria. Alguns bem improvisados. Mas os que têm aparecido com mais destaque na imprensa são os grupos que cometem erros como os da exploração da fé dos mais pobres, ou os que fazem sustentações doutrinárias controversas.
As religiões precisam se modernizar de forma geral. Mas as denominações protestantes tradicionais, e os evangélicos que não comungam com as ideias do deputado Feliciano, têm dado pouca ênfase à necessária separação entre joio e trigo.”

Se a comunidade evangélica quiser ser ouvida e respeitada, precisa dar voz a homens e mulheres que tenham um real compromisso com a causa do Mestre, que não busquem holofotes para si e que tenham uma vida de tal integridade que sustente as suas afirmações e convicções. E para isto, a representação política é apenas uma das opções. Tanto Desmond Tutu quanto Martin Luther King nunca ocuparam cargos públicos, mas influenciaram e mudaram suas gerações.

A comunidade evangélica, por tudo o que fez e tem feito pelo ser humano, pode e deve estar presente na Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Ela tem muito sim, a contribuir com a sua experiência em apoio a dependentes químicos, prostitutas, moradores de rua e comunidades rurais. Mas ela precisa ter representantes à sua altura. Ainda não tem.


"Vós sois o sal da terra; e, se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta, senão para se lançar fora e ser pisado pelos homens (Mateus 5.13)."

Um comentário:

  1. Minha forma de pensar é a seguinte: os Homossexuais devem sim, ser protegidos contra agressões e preconceito, mas não se deve aprovar uma lei que tira o direito de expressão de outro cidadão. Seu direito termina quando começa o do próximo...
    Se formos seguir este expediente teremos que criar uma PLC para Nordestinos, Evangélicos, Ateus, Negros, Índios, e por ai vai, quando na Constituição já existe essa defesa ao Direito. Parece “fórum privilegiado” para uma determinada minoria, quando o que temos de fazer, na verdade, é cobrar o cumprimento da mesma para TODOS os brasileiros, sem distinção alguma! E sem, no entanto, massacrar a opinião alheia e a liberdade de expressão; Criar uma lei assim seria uma ditadura de opinião, e sou contra a ditadura de opiniões. SE a lei de união CIVIL for aprovada, devemos aceitar a decisão democraticamente, mas fazer valer TAMBÉM outras reivindicações talvez mais sérias (como educação básica de qualidade, fim das mordomias dos políticos, mais verbas para a saúde, etc.) – Também sou contra a legalização do aborto e das drogas, mas repito, SE for voto vencido, devemos acatar, pois vivemos numa democracia e NINGUÉM está acima da lei (e, se mesmo assim, certos grupos e entidades não aceitarem, que se façam protestos pacíficos para combatê-los ou a prática da alardeada “desobediência civil”)

    Exemplos da Lei:

    Artigo 4º: Praticar o empregador, ou seu preposto, atos de dispensa direta ou indireta.

    Então TODA dispensa de homossexual será, claro, tratada como preconceito e passível de processo/prisão!

    Artigo 8º-B: Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs.

    Num pátio de Igreja, por exemplo, se um homem e uma mulher estiverem se beijando, serão sim, convidados a pararem ou se retirarem! É questão de moral da entidade, e deve ser respeitado por todos!

    Artigo 16º, parágrafo 5º: O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica.

    Aí entraria inclusive piadas de gays, negros, judeus, não? Isto é uma vergonha! Gostaria de ver o movimento mandar prender o Jô Soares por fazer uma piada de gays no seu programa... (E se chamar de “gay”, “bichinha”, pode ser processado também?) Afinal, estamos numa democracia ou somos obrigados a concordar com a massa só porque está na moda? Quanta hipocrisia!

    Para tentar um acordo com as entidades religiosas que se opõem ao projeto, a senadora Marta Suplicy, relatora da PLC 122 no Senado, modificou o texto para proteger cultos religiosos da criminalização. A modificação feita diz que a nova legislação "não se aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente da fé e da moral fundada na liberdade de consciência, de crença e de religião." No entanto, o novo texto foi reprovado por defensores dos direitos LGBT, que consideraram que a alteração descaracteriza o objetivo original da lei (...)

    Então, quem são os intransigentes de fato?

    E pra finalizar: Infeliciano NUNCA me representará!!! (como diria Robert DeNiro - "vaidade, meu pecado favorito")

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