sábado, 18 de agosto de 2018

Um Messias para chamar de seu

"Give us Barabbas" - Illustrations from volume 9 of The Bible and its Story Taught by One Thousand Picture Lessons, edited by Charles F. Horne and Julius A. Bewer, published in 1910. 

Quando Jesus nasceu, Israel não era mais Israel. Era chamada agora pelos conquistadores romanos de Palestina, fatiada em diversas regiões administrativas controladas por fantoches de Roma como os Herodes (Antipas na Galileia e Filipe na Idumeia) e por um representante direto de Roma na Judeia, o governador Pôncio Pilatos.
Esta dominação ocorreu após o esfacelamento da dinastia dos Hasmoneus, o último governo judaico após as guerras judaicas de libertação contra o império selêucida (que impusera a helenização forçada dos judeus) deflagrada pelos Macabeus. Mas este breve período de governo judaico careceu de legitimidade junto ao povo, visto que a dinastia hasmoneu não era de origem davídica e sem o sumo-sacerdote era de origem aarônica.
Este vácuo político religioso somado à ocupação e opressão estrangeira levou ao povo judeu a ansiar pela vinda do Messias, mas não daquele descrito pelo profeta Isaías no capítulo 53 de seu livro como o servo sofredor, mas um messias político, guerreiro que libertasse o povo de seus inimigos externos.
Mas alguns judeus se cansaram de esperar pelo Messias e resolveram agir. Surgiram os zelotes – guerrilheiros para os judeus, terroristas para os romanos – que por meio de emboscadas e ataques surpresa, lutavam sem sucesso contra a ocupação romana.
Então veio Jesus. Mas sua mensagem não era o que se esperava: não veio falar de uma libertação de um inimigo externo, mas sim de um interno, o pecado: “arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.15) era sua mensagem. Pior ainda sua mensagem era claramente pacifista: “Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra; e ao que te houver tirado a capa, não lhe negues também a túnica.” (Lc 6.19. Seu desapego por questões políticas era tanto que não questionou o pagamento de tributo ao império pagão e opressor: “dai pois a César o que é de César” (Lc 20.25). Para que não restasse nenhuma dúvida, deixou claro à Pilatos que seu reino – sim Jesus é um Rei – não tem conotação política - “meu reino não é deste mundo” (Jo 18.36).
De fato, Jesus era um messias diferente daquele que os judeus tanto esperavam em seu imaginário. Eles queriam alguém que resolvesse logo a situação, que com um único golpe de espada mágico expulsasse os inimigos do povo, da Lei e de Jeová. Um líder guerreiro de braço forte, como havia sido Davi, afinal, o Messias não seria filho de Davi?
Então Pilatos propôs uma eleição direta ao povo de Jerusalém:
Ora, no dia da festa costumava soltar-lhes um preso qualquer que eles pedissem.
E havia um chamado Barrabás, que, preso com outros amotinado- res, tinha num motim cometido uma morte.
E a multidão, dando gritos, começou a pedir que fizesse como sempre lhes tinha feito.
E Pilatos lhes respondeu, dizendo: Quereis que vos solte o Rei dos Judeus?
Porque ele bem sabia que por inveja os principais dos sacerdotes o tinham entregado.
Mas os principais dos sacerdotes incitaram a multidão para que fosse solto antes Barrabás.
E Pilatos, respondendo, lhes disse outra vez: Que quereis, pois, que faça daquele a quem chamais Rei dos Judeus?
E eles tornaram a clamar: Crucifica-o.”
Marcos 15:6-13
Para a multidão, a mensagem de Jesus de amor ao próximo, perdão ao inimigo, de diálogo e reconciliação com párias de seu tempo (leprosos, publicanos corruptos e samaritanos) era um escândalo para o povo, assim como sua denúncia da espiritualidade vazia era um perigo para os líderes religiosos de seu tempo. Para estes, Jesus era um fraco, alguém que só tinha palavras a oferecer; nos dias de hoje diriam que era só “mimimi”.
Então o povo votou na única escolha lógica e racional. Tempos extremos exigem medidas extremas. Escolheram a Barrabás, o homem da espada.
Barrabás foi varrido para o limbo da história. Fora da Bíblia, ele não existe. Sua liderança política contra os romanos se mostrou um engodo. Mas os judeus não desistiram de conquistar sua libertação à força pois Deus estaria com eles, afinal, eram o povo escolhido. De fato, décadas depois eclodiu uma nova revolta judaica. Mas no ano 70 d.C. o general Tito de Roma invadiu uma Jerusalém já enfraquecida por disputas internas entre os diversos grupos de rebeldes judeus, cada um com seu próprio messias. Um banho de sangue varreu as ruas da cidade. O templo foi destruído e nunca mais reerguido. O povo judeu, mais uma vez espalhado pelo mundo.
Enquanto isso, os seguidores do Messias rejeitado, crucificado e ressuscitado, também se espalhavam pelo mundo conquistando-o não pela força da espada, mas pela força do mesmo discurso de seu Mestre: “arrependei-vos e crede no evangelho”.
Em nosso país e no mundo vemos um fenômeno político em pleno desenvolvimento: neste mundo pós-moderno, a crise de credibilidade das instituições (governos, partidos, mídia e até mesmo igrejas) tem levado a muitos a rejeitar os princípios básicos da democracia e a sonharem com líderes que resolvam seus problemas com uma “canetada” só. Não é à toa que líderes autocráticos como Putin, Erdogan, Chávez, Trump têm se levantado no mundo. Também não é a primeira vez que isto acontece. Na primeira metade do século XX outros se levantaram: Franco, Mussolini, Stalin e, Hitler. O resultado todos nós conhecemos.
Porém, há uma diferença entre os líderes populistas de hoje e os do passado. Os de hoje, todos eles, chegaram ao poder legitima e democraticamente eleitos pelo voto popular. Depois de eleitos, elaboram mecanismos para enfraquecerem ou subordinarem os outros entes da República (Legislativo e Judiciário) além de se colocarem em guerra aberta contra um importante representante da sociedade civil: a imprensa livre. Para que seus planos de perpetuação do poder se concretizem é também necessário uma legião de adoradores no meio do povo que os defendam contra tudo e contra todos e uma oposição amordaçada que não consiga denunciar seus desmandos.
O populismo não é de direita nem de esquerda, ele é essencialmente idólatra, voltado para a adoração cega e acrítica de um líder como o salvador da pátria, o redentor da nação, ou seja, estamos falando de um tipo de anticristo. Alguém que tenta trazer para si atributos que somente devem pertencer a uma única pessoa em toda a História.
No Brasil, vemos isto se repetindo inúmeras vezes ao longo de nossa história: Getúlio Vargas, o pai dos pobres. Jânio Quadros, o não-polítoco contra a corrupção, Fernando Collor, o caçador de Marajás. Lula, o novo Pai dos pobres. Jair Bolsonaro, o mito.
Jair Messias Bolsonaro tem seduzido a uma grande parcela da população brasileira, especialmente entre evangélicos com seu discurso conservador contra uma onda liberalizante que tem varrido nosso país de forma deliberada e organizada à qual fazem parte partidos políticos, empresas de mídia e meio acadêmico.
Esta onda é real e é justificável o receio que ela tem causado nas famílias e igrejas. Bolsonaro encarnou para estas pessoas a solução fácil para um problema complexo. A questão é o preço a se pagar por esta solução. E sempre há um preço. Junto com seu discurso conservador há outro discurso que é comprado junto e que nunca fez parte das aspirações da comunidade evangélica brasileira: enfraquecimento das instituições democráticas, valorização do uso da violência e da força – não apenas policial mas também dos “cidadãos de bem” - contra a criminalidade, o uso do deboche e do escárnio contra grupos com os quais não se simpatiza, tais como mulheres, quilombolas, etc.
Por que este fenômeno acontece? A igreja está com medo e acovardada. Uma igreja que não ora mais, que não evangeliza mais, que não proclama mais o evangelho da salvação custe o que custar e que ficou confortável em seu ambiente social está vendo o mundo à sua volta se transformar e crescer contra ela. Uma sociedade que no passado era cristã, hoje se trona pós-cristã e até mesmo anti-cristã. Mas Cristo havia dito que nos enviaria como ovelhas no meio de lobos, porém a igreja moderna parece não acreditar mais que o bom pastor a protegerá, então parece estar querendo contratar um segurança para afugentar os lobos.
Uma igreja que embora tenha crescido na sociedade brasileira não se fez relevante nesta mesma sociedade e, por isso, tem medo de um plebiscito acerca do aborto, pois não sabe o como a sociedade se posicionará acerca desta questão. Esta igreja está tão consciente que não fez o suficiente para esclarecer as pessoas sobre a monstruosidade que é o aborto que chega ao ponto de confundir ser à favor do plebiscito com ser à favor do aborto em si. Esta igreja tem medo que o povo brasileiro diga sim, por isso sonha com um líder que autoritariamente diga não por ela.
Mas isto em si mesmo, embora triste não é o real problema.
Bolsonaro também não é o problema. Na verdade, não há problema algum em cristãos darem à ele um voto de confiança por acreditarem que ele seja o melhor candidato para o atual momento do país. O problema é ver cristãos praticando idolatria.
O Salmo 115.8 afirma que idólatras tornam-se semelhantes aos seus ídolos. Por isso, fiquei realmente assustado e triste ao ver pessoas que se identificam como cristãos fazendo uma campanha apaixonada, agressiva e até mesmo debochada do candidato Jair Bolsonaro.
Ironicamente, Bolsonaro, o candidato que nestas eleições melhor representa o messianismo político, tem Messias como seu nome do meio. Alguns deles chegaram até mesmo a afirmar que “Bolsonaro é o messias que salvará o país”. Isto sim, é preocupante.
Creio firmemente que um cristão com seus olhos fitos em Cristo participa de um processo eleitoral de forma crítica e desapaixonada, pois sabe que a verdadeira solução para os problemas deste país não virá de mãos humanas mas por meio de uma verdadeira conversão de nosso povo a Cristo, por meio do arrependimento dos pecados e da busca por se viver segundo os padrões do Reino. Este país não mudará de cima para baixo, mas de dentro para fora. Mas para que isto aconteça, para que o aborto se torne em uma lembrança amarga do passado. Para que, nossos presídios fiquem vazios por que crimes não são mas cometidos, para que a mulher, o negro e o pobre tenham o reconhecimento e o tratamento digno a que tem direito, é preciso que a Igreja saia de sua letargia e pregue, propagandeie o verdeiro Messias que irá redimir esta nação corrompida pelo pecado. E isto é nossa missão como igreja mas, como diz Paulo: “Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue?” Rm 10.14
É fundamental que a igreja brasileira perca seu medo, pois este além de ser um péssimo conselheiro é inimigo da fé. É fundamental que ela entenda que é uma minoria, aprisco de ovelhas em meio a lobos, embaixadora de um Reino vindouro que não é este e proclamadora de que ele está às portas.
Mas para isso é necessário que façamos as escolhas certas e não estou falando das próximas eleições.
Quando entregamos nosso coração e nossas esperanças a um outro messias que não o verdadeiro e único, estamos também trocando os princípios e valores do Reino por outros princípios e valores que, por mais parecidos que sejam, não são iguais. Isto é válido para qualquer cristão que idolatre ideologias, sejam elas de direita ou de esquerda. Quando a igreja se identifica com uma ideologia humana, ela automaticamente deixas de interpretar o mundo à luz do evangelho de Cristo para interpretá-lo à luz de Karl Marx, Adam Smith, Simone de Beauvoir ou mesmo Adolph Hitler. Deus exige exclusividade. Para um verdadeiro cristão, bandido bom não é bandido morto, tampouco o bandido é uma pobre vítima da sociedade. Um bandido, tal qual o que foi crucificado ao lado de nosso Senhor, é um pecador que, como cada um de nós, precisa desesperadamente de um encontro com Cristo e ter sua vida transformada.
O Israel do passado desprezou a Jesus por não se parecer com o padrão messiânico que eles imaginavam e então escolheram a Barrabás. A pergunta que me faço hoje olhando para a igreja brasileira de hoje é: será que nós, no lugar deles, escolheríamos diferente?

Portanto, também nós, considerando que estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas, desembaracemo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que nos está proposta, olhando fixamente para o Autor e Consumador da fé: Jesus, o qual, por causa do júbilo que lhe fora proposto, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e assentou-se à direita do trono de Deus.” Hb 12.1,2