quinta-feira, 7 de julho de 2011

Estado laico ou Estado ateu?




Segundo a Wikipédia, o laicismo é uma doutrina filosófica que defende e promove a separação do Estado das igrejas e comunidades religiosas, assim como a neutralidade do Estado em matéria religiosa.
Os valores primários do laicismo são a liberdade de consciência, a igualdade entre cidadãos em matéria religiosa, e a origem humana e democraticamente estabelecida das leis do Estado.
A separação entre Igreja e Estado, diferente do que muitos podem pensar, não foi uma iniciativa da Revolução Francesa, mas sim uma consequência da liberdade de pensamento oriunda da Reforma Protestante:

Mais do que quaisquer outros grupos religiosos dos sécs. XVII e XVIII, os de convicção batista patrocinaram o conceito de que a consequência lógica da doutrina da liberdade religiosa era o princípio da separação entre a igreja e o estado. Com base em passagens como Mt 22:15-22 e Rm 13:1-7 eles argumentaram que esse era o único meio de salvaguardar a liberdade religiosa e o sacerdócio dos crentes. Com isso eles queriam dizer que o estado não tinha o direito de interferir nas crenças e práticas religiosas dos indivíduos e das igrejas, e que a igreja, por sua vez, não tinha o direito de receber qualquer sustento financeiro do estado. Receber verbas públicas era abrir as portas para o controle governamental e a perda da identidade religiosa.”
Fonte: Matos, Alderi Souza de, IGREJA E ESTADO: UMA VISÃO PANORÂMICA

Mas não foi uma caminhada fácil. Na velha Europa, as monarquias absolutistas apoiavam o catolicismo enquanto monarquias constitucionais apoiavam o protestantismo como religião oficial e, em contrapartida, recebiam deste o apoio na forma de que a sua linhagem real era a escolha de Deus para dirigir perpetuamente a nação. Mesmo aqui no Brasil, D. Pedro I jurara fidelidade à Igreja Católica porque assim o exigia a Constituição Imperial de 1824.

Este conceito foi se aperfeiçoando com o passar do tempo e com a progressiva substituição do regime monárquico pelo republicano, no ocidente, o padrão é o estado laico, isto é questões religiosas não são assunto de governo, nem cabe a estes privilegiarem certas igrejas em detrimento de outras.

Em tese é isto que deveria acontecer.

Na prática porém, costuma ocorrer dois extremos. De um lado, políticos ligados a grupos religiosos, ao invés de criarem leis sobre educação segurança e saúde, se preocupam em instituir datas e feriados como Dia do Evangélico ou Dai de São Jorge. De outro, pessoas tentam proibir a utilização de símbolos religiosos ou mesmo a cercear o direito de expressão baseadas em fé, não apenas em repartições governamentais, mas em qualquer espaço público.

A restrição a exposição religiosa e até mesmo da manifestação de opinião baseada em motivações religiosas em nome de um pretenso respeito a minorias de outras religiões ou mesmo não-religiosas é uma falácia. Seu objetivo é restringir toda e qualquer atividade religiosa à vida privada e, no máximo, às quatro paredes dos templos.

Não parece, mas vivemos em uma ditadura. A ditadura do "politicamente correto". Em alguns países já não é mais considerado correto se dizer Feliz Natal, mas sim Happy Holiday. A justificativa para estes esdrúxula mudança está falsamente justificada na premissa de não se ofender outras religiões, incluindo aí os ateus. O falecido articulista Fausto Wolff afirmava que esta homogenização é fascista. Eu concordo e vou um pouco mais além: homogenização em que?

Na verdade, as elites das civilizações ocidentais caminham rapidamente para uma mudança de paradigma. Elas estão deixando de ser sociedades alicerçadas em valores cristãos para se transformarem em sociedades pós-cristãs. E este é um movimento de cima para baixo.

As chamadas elites destas sociedades, especialmente na Europa e agora, com mais força nos EUA, veem a religião não mais como um folclore ou um dado cultural, como até pouco tempo viam, mas a sim como um inimigo, um empecilho ao desenvolvimento da raça humana.

Esta visão de mundo levou a Dinamarca ao caminho contrário: lá foram publicadas charges ofensivas aqueles que professam a fé islâmica. Por que fizeram isso? Porque na gélida Europa, a fé foi reduzida a folclore e não passaram pela cabeça deles que para a maioria dos povos do planeta, fé não é conto da Carochinha, mas sim uma visão de mundo que envolve não apenas suas crenças mas também seus sentimentos mais profundos e que alguém pudesse se sentir ofendido por uma crítica a algo tão arcaico quanto a fé.

Quando os protestos começaram, jornalistas do mundo inteiro se levantaram contra este "atentado a liberdade de expressão" A mim me pareceu um conflito entre dois dogmas: um lado exigindo o direito ao respeito por aquilo que creem, o outro exigindo o direito de falar e escrever o que bem entender e ao restante dos pobres mortais cabia o direito de bater palmas para o que eles produzem.

Pelo o que percebi, o direito de expressão é apenas para quem publica o que quer, ofendendo quem quer que seja, o ofendido não tem direito de também expressar livremente seus protesto contra o que foi publicado, afinal, para ser religioso em pleno século XXI, só sendo um fanático e, desta forma, sua opinião é irrelevante.

Com isto, pipocam textos em revistas conceituadas, no Brasil e no mundo, onde articulistas reconhecidos por sua argúcia e sabedoria, de forma nem sempre sutil, tratam de intelectualmente inferiores aqueles que nos dias de hoje ousam crer em algo transcendente ou espiritual. Se este algo se chamar Deus ou Jesus Cristo, pior, tais pessoas são homens de Neanderthal ou mesmo um Osama Bin Laden em potencial.

Não é de hoje que isso ocorre. Anos atrás, na Itália, foi proposto um projeto de lei proibindo a presença de crucifixos nas escolas, argumentando que a imagem ofenderia não-católicos. Inesperadamente, a defesa da presença do crucifixo veio de um deputado comunista, que alegou que Jesus representava muito mais do que uma religião, mas um exemplo de fé, amor ao próximo e de luta contra a opressão dos poderosos.

A alguns anos, na França, foi promulgada uma lei proibindo alunos de ostentarem adereços religiosos na escola por ser esta um espaço laico. A escola uma espaço laico, o aluno não. E o direito a liberdade de expressão do aluno, agora não vale? Foi uma lei feita sob encomenda para proibir alunas muçulmanas de usarem o shador. Mas também afeta judeus de usarem o quipá, cristãos de usarem o crucifixo ou de portarem uma Bíblia. Qual será o próximo passo? Proibir de utilizarem uma camisa de Che Guevara ou do Obama?

Ao longo do século XX, a fé no espiritual e a religião foram sistematicamente expulsas da sociedade ocidental e, sem a sua base moral e ética, a decadência veio muito rapidamente. Porque junto com a fé vem a consciência de que somos mais do que meros homo sapiens (mais homo do que sapiens), de que quando as pessoas se apaixonam, duas almas se tocam e se completam, e não apenas "rolou uma química". Não. Nós somos mais do que simples moléculas de carbono. Nós temos sensibilidade, e o que é a sensibilidade senão a manifestação da alma? A arte é filha da alma e a alma não está presa a moléculas de carbono. Viver é mais do que simplesmente existir. Por isso a Vida é sagrada e inviolável. É isso o que nos faz humanos, mas isto também é um empecilho para o avanços da ciência, pois é necessário que sejamos reduzidos a condição de ratos de laboratório para que possamos ser manipulados e as fronteiras do conhecimento se expandam. Mas a que preço?

O que muitos humanistas não perceberam é que quanto menos espiritualizada for nossa sociedade, menos humana ela também o será pois o espírito é inerente a natureza humana. Se não há transcendência, a vida se torna fútil e vazia, e a sociedade individualista, hedonista e materialista. Campo perfeito para que as Paris Hilton ou as Britney Spears e Lady Gagas da vida se tornem referências. Quanto tempo durará uma sociedade assim, antes de seu completo esfacelamento? Não importa se nossas elites não creem que temos uma alma, um espírito ou que Deus exista. Independente do que venhamos a crer, continuaremos a ter alma, espírito e Deus continuará existindo.

Se nós continuaremos a existir é que eu não sei.

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